A pequena conversa amigável com Stella tinha ficado para trás, porque ela voltou a se fechar completamente depois depois que voltamos para o mercado negro. Não ousei tocar no assunto, porque Stella não parecia ser alguém que gostava de ser pressionada. De qualquer forma, iríamos deixá-la em paz.
—Que cara é essa? —Indaguei, vendo Tallys passar por mim pelo corredor, jogando a mochila nas costas com uma expressão fechada.
—Só estou faminto. —Deu de ombros. me fazendo erguer as sobrancelhas.
—Pensei que Jacks estava conjurando sangue humano pra você. —Comentei, vendo ele enrugar os lábios e dar de ombros uma segunda vez. —O que está rolando, Tallys? Tem a ver com a Stella?
—O que? Não! —Ele bufou, se afastando. —Só estou frustrado por não conseguirmos nenhuma outra pista.
—Vamos conseguir. Não vou desistir. —Afirmei, abrindo um sorriso encorajador a ele. —Meti a gente nisso e prometo que vou tirar a gente também.
—Eu sei, amor. Eu sei. —Ele sorriu de leve e então saiu dali, parecendo não estar interessado em conversar mais. Fiz uma careta, indo pegar minhas próprias coisas. Não sabia o que estava acontecendo, mas tinha meus próprios problemas pra me preocupar.
[...]
—Nessa área... —Encarei o mapa aberto, vendo Jacks apontar em um ponto das montanhas que delimitavam o território de Atlantis. —Tem uma caverna que nos permite entrar no território. Não é uma passagem confiável e boa, mas é nossa melhor opção.
Ao nosso redor, o navio de Stella balançava sobre a água. Estávamos navegando para o rio central entre os territórios, para conseguir chegar até às águas que dividem Montear se Atlantis.
—Você não pode nos levar a terra firme, depois das montanhas? —Lila indagou a Stella, que fez uma careta.
—Eu teria que sair em alto mar. Tem muitos piratas e criaturas que podem afundar um navio se quiserem. Não é uma boa ideia. —Afirmou, olhando para o mapa com os olhos cerrados. —Mas é só uma caverna, certo? Nada de armadilhas ou magias malignas?
—Por que está preocupada? —Jacks olhou pra ela com as sobrancelhas erguidas. —Você nem vai adiante com a gente.
—Mas eles vão. —Ela me indicou com a cabeça, depois Lila, deixando Tallys de fora aquela afirmação. —Quer saber? Tanto faz. Vou deixar vocês ali, já que é onde querem descer.
—Quanta simpatia. —Tallys resmungou, se afastando de onde nós estávamos. Stella deu uma olhada nele, torcendo os lábios no que parecia frustração.
—Navio real se aproximando! —Alguém gritou, fazendo todos nós pularmos no lugar e ficarmos de pé. Corri atrás de Stella quando ela subiu as escadas correndo, indo para a ponta do navio, enquanto puxava uma luneta e olhava para o horizonte. Cerrei os olhos, vendo a mancha que se aproximava ao longe.
—De onde? —Lila indagou, chegando atrás de nós.
—Terraria. —Stella abaixou a luneta e se virou pra nós. —Lá pra baixo, agora!
Corremos para nos esconder, enquanto ouvíamos a voz de Stella latindo ordens para seus homens. Descemos todos os lances de escadas do navio, chegando até um cômodo repleto de caixas. Lila e Tallys entraram nas que estavam livres, fazendo uma careta antes de fecharem a tampa sobre suas cabeças.
—Aonde vai? —Indaguei, vendo Jacks pronto para voltar lá pra cima.
—Nunca vou caber ai. —Ele apontou para as caixas, fazendo uma careta. —Vou dar outro jeito.
—Mas... —Ele já havia saído dali, me deixando falando sozinha.
Fiz uma careta e entrei de vez na caixa super apertada, fechando a tampa sobre a minha cabeça. Abracei meus joelhos, com o coração martelando no peito, enquanto ficava encolhida ali em silencio.
Os minutos foram passando. Passos pesados passavam pelo corredor ao lado de fora. Vozes abafadas seguiam por todo tempo. Não sabia o que estava acontecendo, mas não parecia certo. Nada parecia certo até aquela altura. Eu estava começando a ficar impaciente. Meus dedos apertaram o lenço que estava ao redor da minha cabeça, apertando meus cabelos contra as laterais do meu rosto.
Comecei a pensar em Jacks, escondido em algum lugar. Ele não poderia voar sem ser visto. Chamaria atenção demais. Mas ele também não se deixaria ser preso de novo. Da última vez, décadas foram tiradas dele. Eu tirei esses anos dele. Então algo aconteceu. Uma porta foi aberta e fechada. Passos soaram mais próximos. Escutei o som das caixas sendo abertas, o barulho de uma arma carregando.
A tampa da minha caixa foi erguida. Olhei pra cima, vendo os cabelos roxos de Stella, com sua expressão transformada em algo frio e o indiferente. Fiquei de pé, vendo ela se afastar para me deixar sair da caixa. Tallys e Lila já estavam ali, olhando pra nós duas.
—Cal está aqui. —E simples assim, ela se virou, caminhando até a porta e saindo dali sem dizer mais nada. Fiquei encarando o lugar que ela havia acabado de passar, sabendo que não estava certo. A expressão dela, a forma de agir e falar. Não estava certo.
—Alita, acho que não deveríamos... —Tallys começou, mas eu já estava andando, chegando ao corredor e subindo as escadas, com medo de encontrar Cal ferido. Talvez ele tivesse sido descoberto. Um contrabandista como líder de um círculo não daria a ele uns bons anos na prisão, daria a ele a sentença de morte.
Mas quando subi os últimos degraus e passei pela porta, a primeira pessoa que encontrei foi Kallias, o líder do círculo dos iluminados, ao lado do meu irmão. As armas foram apontadas pra mim, assim como para Tallys e Lila, que haviam acabado de subir as escadas.
—Alita Aziz, você está presa por traição ao círculo do deserto. —Kallias exclamou, enquanto eu sentia meus braços serem puxados para trás, antes de serem amarrados. —E está sendo acusada de roubar a magia dos deuses e conspirar contra seus domínios.
Não respondi aquilo, porque estava olhando para Cal. Estava olhando para máscara neutra que cobria seu rosto. Para os lábios curvados em reprovação e para os olhos que não demonstravam o mínimo sentimento de carinho ou negação por mim.
—Tem alguma coisa a dizer sobre isso? —Indagou, parando na minha frente. Continuei sem olhar pra ele.
Por que?
Eu queria perguntar a Cal. Eu queria que ele me explicasse. Eu queria que ele afirmasse que não fazia parte daquilo, que não havia me entregado, junto com Stella.
—Quer se despedir da sua irmã, Cal? —Kallias se afastou de mim, soltando uma risada. —Talvez nunca mais volte a vê-la depois disso.
Tallys e Lila estavam sendo presos, olhando confusos pra mim. Fiquei parada enquanto Cal se aproximava, olhando nos meus olhos como se não estivesse me enviando para a forca. Então ali estava ele, na minha frente, sem emoção alguma.
—Você vai ser levada para a Catedral e será julgada pelos deuses. —Afirmou, com a mandíbula tensa. —Mas você conhece as leis. Imagino que saiba qual será a sentença.
—Você me entregou. —Não foi uma pergunta. Os lábios de Cal tremeram quando ele desviou os olhos para Stella, antes de me encarar de novo, com a expressão mais dura possível.
—Sinto muito. Temos que fazer o que é certo. —Ele tocou meus ombros e me puxou para um abraço, mesmo que meus braços estivessem amarrados pra trás. Não consegui reagir aquilo, porque meu corpo estava frio como uma pedra de gelo. —Você teria me entregado, irmã?
A voz dele veio baixa, para que apenas eu ouvisse, enquanto seu rosto estava escondido no lenço que cobria meus cabelos. Não hesitei em responder, porque não era algo que eu precisasse pensar.
—Nunca. —Sussurrei, vendo ele se afastar e olhar pra mim de novo, com a mesma expressão séria e fria.
Você é meu irmão, Cal. Você viria em primeiro lugar. Sempre.
—Então você sabe o que isso significa. —Afirmou, se afastando de mim sem olhar pra trás.
E eu sabia.
Continua...
VOCÊ ESTÁ LENDO
Os Domínios do Deserto
FantasyNas terras do continente Esmeralda, muito se fala sobre os deuses capazes de ditar os dias e as noites, controlando o sol, a lua e as estrelas. Mas outros seres caminham por aquelas terras, reverenciando-os e convivendo com os deuses inferiores, que...