Olhei pra Cal por alguns segundos, enquanto escutava Tallys soltar um "puta merda!", parecendo genuinamente chocado com aquilo. Engoli em seco, sabendo que deveria me preocupar muito com aquilo. Não era a primeira vez que eles tentavam me tirar do círculo do deserto. Só que das outras vezes eles não tinham um motivo bom o suficiente pra isso. Mas agora eles tem. A magia sumiu, quando eu deveria me certificar de que ela continuasse ascendendo no deserto.
—Onde eles estão agora? —Indaguei, umedecendo os lábios, quando eles ficaram subitamente secos.
—Hally está no palácio, conversando com um grupo de bruxas. Winder eu não sei. —Ele deu de ombros, parecendo sem graça. —Estou achando que Hally contou a Breno sobre o cessar da magia. Daria um bom motivo pra eles criticarem seu governo sobre Solaris.
—Sim, sim. Isso faz muito sentido. —Olhei para Tallys, que parecia pensativo. —Cal, peça para Meri agendar uma reunião amanhã a noite com o círculo. Preciso fazer uma visita amanhã cedo pra Lila, pra saber como está o elfo.
—Quer que eu vá com você? —Tallys indagou, olhando pra mim com os olhos muito grandes.
—Claro. —Murmurei, vendo ele abrir um sorriso muito grande. —Você e essa sua curiosidade.
Ele sorriu, piscando pra mim, antes de dar um beijo na minha bochecha e desaparecer do meu quarto em um estalar de dedos. Me voltei para Cal na mesma hora, vendo ele se aproximar e segurar meu rosto entre as mãos.
—Você está bem, Alita? —Indagou, com um tom levemente preocupado.
—Estou. Claro. —Abri um sorriso nervoso. —Não é a primeira vez que eles tentam fazer isso. Consegui controlar da outra vez e vou conseguir controlar agora, Cal. Só preciso descobrir o que está acontecendo. As mortes, o sumiço da magia. —Dei de ombros, pressionando meus lábios quando ele beijou minha testa. —Vai ficar tudo bem.
—Confio em você, irmã. —Afirmou, acariciando meu rosto. —Você é e sempre foi capaz de governar tudo isso. Sempre fez isso com grande inteligência e audácia.
—Sua opinião não conta. É meu irmão. —Resmunguei, e ele soltou uma risada, me dando um abraço apertado e então se afastando. —Mas obrigada por confiar em mim. Estou tentando não surtar com tudo isso.
—Eu confio e acredito em você. —Ele deixou outro beijo na minha testa e foi em direção a porta. —Agora descanse. Temos um dia cheio amanhã.
Ele saiu do quarto e me deixou sozinha, de pé no meio dele, observando o quarto silencioso. Cal sempre confiou em mim para governar Solaris. Sempre esteve do meu lado nos momentos mais importantes e nos mais difíceis, desde que nossos pais morreram.
Nossa mãe faleceu logo que ele nasceu. Nosso pai teve que criar dois bebês sozinhos. Ele trabalhava na guarda de Solaris e era um deus muito respeitado e conhecido. Quando eu tinha só 15 anos e Cal 14, ele foi morto por criaturas das sombras, enquanto tentava proteger a cidade delas. Desde então, eu criei Cal, enquanto tentava sobreviver nesse mundo mágico.
Com 327 anos, consegui grandes feitos pra uma fêmea. Aqui a maioria de nós é subestimada, como o sexo frágil, indefesas e vulneráveis. Por ter criado Cal, ele sempre me viu como sua heroína, mesmo quando eu errava. Ele nunca duvidou de mim e nunca me viu como fraca, mesmo quando todos duvidavam de mim. Quando eu me pus a ser a líder dos deuses inferiores no círculo do deserto, ele foi o primeiro a erguer a mão e me apoiar, estando ao meu lado em cada passo do caminho.
Sei que de todas as pessoas de Solaris, ele é o que mais acredita e confia em mim. Não por ser sua irmã. Mas por saber o quanto lutei pra estar aqui. Ignorando ofensas e comentários maldosos sobre eu ser uma fêmea que não nasceu para liderar. Mas eu nasci sim para liderar. Já provei isso. E vou continuar lutando pra continuar nesse posto.
[...]
Bati na porta da casa de Lila quando o sol estava nascendo no horizonte. Tallys estava do meu lado com uma expressão séria que que não estava acostumada a ver nele. Quando me encontrou hoje cedo, na saída do palácio, parecia perdido em pensamentos, de tão aéreo que estava.
—O que você tem? —Indaguei, cutucando ele com o cotovelo.
—Nada. —Resmungou. —Só não gosto de acordar cedo. Precisava sair de madrugada para vir até aqui?
—Precisava. Estou sem tempo a perder. E você não era obrigado a vir. —Afirmei, erguendo a mão e dando um peteleco no nariz dele. —Você veio porque é curioso demais e não sabe aquietar a bunda.
—Hm, me resumiu bem. Eu sou curioso demais pra perder o que esse elfo tem a dizer quando acordar. —Afirmou, abrindo o primeiro sorriso do dia. —Vai dizer que não está curiosa pra saber o que os atacou?
—Estou. Mas acho que já sei quem foi. —Dei de ombros, vendo ele curvar os lábios e as sobrancelhas em uma careta. —Pelo menos eu acho que foram eles. Estão no topo da lista de suspeitos.
—E a questão da magia? —Tallys indagou, enquanto eu batia pela segunda vez na porta de Lila.
—Ainda estou pensando nisso. Tenho a reunião com o círculo do deserto hoje. Vou tentar atualizar todos os acontecimentos. —Soltei um suspiro pesado e encolhi os ombros. —Se eu estiver certa, a mesma raça que atacou os elfos, os vampiros e os feéricos, foi a que roubou a magia.
—Como se rouba magia dos deuses? —Tallys indagou, franzindo a testa. Abri a boca para responder, mas Lila finalmente abriu a porta, com o rosto inchado de tanto dormir e uma expressão resignada.
—Vocês precisavam vir tão cedo? —Murmurou, muito lentamente, tentando não ser grosseira.
—Há, o que foi que eu falei, amor? —Tallys olhou pra mim com as sobrancelhas erguidas e a cabeça tombada de lado. Revirei meus olhos e olhei pra Lila com um sorriso sem graça.
—Sinto muito por vir tão cedo. Mas precisava saber se tinha novidades sobre o estado do elfo. —Afirmei, enquanto ela abria a porta e fazia um sinal para que entrássemos.
—Hm, bem, ele ainda não acordou. Mas os ferimentos estão se curando lentamente, o que é razoavelmente bom. —Ela fechou a porta atrás de nós, enquanto meus olhos percorriam toda sua sala de estar, até encontrar o elfo sobre o sofá. —Mas ele fica murmurando coisas estranhas.
—Que coisas? —Tallys indagou antes de mim.
—Eles são reais. —Eu e Tallys olhamos pra Lila. —O que? É isso que ele fica dizendo. Eles são reais.
Me aproximei do elfo, vendo a respiração dele pesada e seus lábios se movendo, enquanto seus olhos estavam fechados. A frase se repetia silenciosamente ali, como se mesmo apagado, ele estivesse apavorado com o que quer que tenha visto na noite da tempestade de areia.
Continua...
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Os Domínios do Deserto
FantasyNas terras do continente Esmeralda, muito se fala sobre os deuses capazes de ditar os dias e as noites, controlando o sol, a lua e as estrelas. Mas outros seres caminham por aquelas terras, reverenciando-os e convivendo com os deuses inferiores, que...