Encarei o desenho, um pouco confusa sobre o que era, já que o mesmo parecia apenas um borrão de carvão. Tallys também estava confuso, já que fez uma careta ao encarar o desenho, antes de puxá-lo das minhas mãos.
—O que é isso? —Indaguei, apontando para o desenho. —E o que quis dizer com aquilo, sobre serem igual a vampiros?
O homem não se moveu. Ficou sentado de costas para nós dois, sem mover um único músculo. Isso me fez dar um passo em direção a cela, que logo Tallys interceptou, segurando minha mão.
—Eles são carniceiros nojentos. Matam tudo que se move. Estiveram aqui a muitos milênios atrás, quando Esmeralda era um território unido. —Afirmou, com a voz soando como um sussurro. —Sua magia sumiu? Não me surpreende. Eles podem devora-la também. Podem devorar qualquer coisa.
—Como eles estão aqui a milênios e nós nunca o vimos ou soubemos sobre eles? —Tallys indagou, sem deixar de esconder o tom de ceticismo. Não julgo, eu também estava achando o senhor um pouco louco.
—Eles estavam aqui a milênios atrás. —Sibilou, com um ar de correção. —Eu não disse que sempre estiveram aqui. Mas também não disse que não podem ter retornado.
—Como? —Indaguei, mesmo que não estivesse acreditando em uma só palavra dele.
—Sangue e magia. —O senhor se moveu, desaparecendo na escuridão. —Eles surgem em meio ao caos e se escondem na escuridão.
—É o que? —Tallys fez uma careta, claramente não acreditando em nada do que o homem dizia. Observei ele negar com a cabeça e enfiar o desenho no bolso, antes de puxar minha mão. —Vamos embora, amor, ele não está falando coisa com coisa.
Deixei que Tallys me puxasse pelo corredor, enquanto eu ainda olhava para a cela do senhor, que agora estava fora de vista. Não acreditava em uma palavra do que ele havia dito. Mas também estava incomodada com o que ele falou, por mais estranho que fosse.
[...]
Me deitei na minha cama, encarando o teto enquanto Tallys andava de um lado para o outro. Cal ainda estava no palácio, o que não me deixava outra alternativa a não ser esperar a volta dele pra casa, já que não parecia seguro tentar conversar com ele lá.
—Você está bem, amor? —Indagou, se deitando na cama ao meu lado. —Sabe, achei que ele iria te matar naquele instante que te agarrou.
—Ele nem chegou a me machucar. —Afirmei, involuntariamente levando minha mão ao meu pescoço, sentindo falta do meu lenço. —Ele tem razão em me odiar. Não fui muito receptiva com ele quando veio pra cá.
—Você estava fazendo seu trabalho, Alita. E não tinha como você saber que não cuidariam da asa machucada dele. —Tallys olhou pra mim em meio a uma careta. —E ele também não facilitou nada, não é? O Hassan é a prova disso.
—Estamos na estaca zero de novo. —Afirmei, engolindo a frustração. —Não temos nada além daquele elfo desacordado.
—Deveríamos ir até a Lila de novo. Vai que ele acordou. —Tallys ficou de pé, voltando a andar para o quarto, como se ficar parado em um mesmo lugar por muito tempo o incomodasse. Isso me obrigou a ficar de pé também e caminhar até a varanda, pra onde Tallys ia.
Olhei para toda cidade de Solaris, pensando no tempo da minha vida que gastei para proteger e cuidar de tudo isso. Eu não me arrependia. Por todo tempo, essas terras douradas foram minha vida. Foi pelo qual sonhei e lutei.
Agora em que Cal está no comando, sinto como se algo tivesse sido arrancado de mim. Não pelo poder em si, pela liderança, mas por não poder subir naquela torre e observar a magia e as estrelas, enquanto elas banhavam Solaris de luz e paz.
—Er... eu tenho umas coisas pra fazer. —Tallys murmurou, me pegando de surpresa. Ele estava olhando para algo na cidade, com uma expressão dura. —A gente se encontra depois, está bem? Não vá dar uma de buscadora de magia sem mim.
Ri e neguei com a cabeça, enquanto Tallys desaparecia em um piscar de olhos, deixando apenas o som da porta se fechando preencher o ar. Olhei para a cidade ao redor, me escorando no parapeito da varanda.
Tallys não demorou a surgir nas ruas, caminhando em direção a um loja. Minhas sobrancelhas se ergueram ao ver Breno lá, esperando pelo vampiro. Isso me fez franzir a testa e pressionar os lábios juntos. A última coisa que eu precisava era Tallys fazendo besteira ao lado daquele bruxo intrometido.
[...]
Caminhei pelas ruas da cidade, ignorando os olhares direcionados a mim. A noticia da troca de representando dos deuses inferiores se alastrou como sangue na água. Todos estavam falando sobre mim e Cal, como se fossemos a atração principal de um teatro.
—Ignore todos eles. —Meri pediu, fazendo uma careta. —Sabe que esse povo adora uma fofoca para destilar veneno.
Olhei pra ela, vendo o lenço rosa cobrindo seus cabelos, enquanto seus olhos vagaram por todas as ruas e lojas ao nosso redor. Ela havia surgido na minha casa logo depois da saída de Tallys, indagando que Cal havia lhe enviado para saber se eu estava bem.
—Eu não estou incomodada com isso. Só estou irritada com toda a situação do sumiço da magia. —Afirmei, em meio a um suspiro pesado. Ajeitei o lenço dourado nos meus cabelos e na minha boca, sentindo o ar repleto de areia irritar minha pele. —O clima está estranho. Parece mais pesado.
—O sumiço da magia já está cobrando seu preço. —Meri comentou, olhando distraidamente para uma loja de joias a nossa frente. Mas minha atenção estava no céu, onde as nuvens espeças e pesadas começavam a cobrir cada canto e o ar parecia ficar cada vez mais carregado de areia.
—Tem alguma coisa errada, Meri. —Afirmei, caminhando apressadamente pela rua, desviando das pessoas, enquanto Meri tentava me acompanhar, tentando entender o que eu estava falando e fazendo.
Caminhei até a escadaria de uma casa, subindo os degraus rapidamente até o terraço, onde havia um pequeno jardim. Meri estava atrás de mim, seguindo meus passos até a ponta da cobertura, onde eu encarei o horizonte do deserto.
A respiração ficou presa na minha garganta, enquanto eu observava, lá ao longe, na linha das montanhas, as areias se movimentarem e se unirem, criando outra tempestade de areia. Tempestade essa que parecia ficar mais próxima a cada segundo, pronta para se chocar com toda força contra nós.
—Ah, as estrelas... —Meri gemeu ao meu lado, parecendo horrorizada
—Corra e avise a Cal. Precisam tocar os sinos para avisar a todos. —Afirmei, voltando para as escadas no mesmo instante. —Rápido, Meri. As estrelas não vão nos salvar dessa vez.
Meri agarrou a saia do vestido quando chegamos a rua, disparando em direção ao palácio, enquanto eu começava a correr em direção a casa de Lila, onde meus instintos gritavam para eu ir.
Continua...
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Os Domínios do Deserto
FantasyNas terras do continente Esmeralda, muito se fala sobre os deuses capazes de ditar os dias e as noites, controlando o sol, a lua e as estrelas. Mas outros seres caminham por aquelas terras, reverenciando-os e convivendo com os deuses inferiores, que...