Meri me observou por alguns segundos, como se estivesse absorvendo minhas palavras. Me aproximei de onde ela estava, vendo ela dar um passo para trás.
—Do que está falando? —Indagou, soltando uma respiração pesada. —Do que está falando, Alita?
—Você sabe. As mortes, as criaturas e a magia... Você sabe. —Afirmei, cerrando meus punhos. —Você sabia desde o início!
—De onde você tirou isso? —Exclamou, ficando ainda mais vermelha. —De onde tirou isso? Acha que eu participei de tudo? Eu, que sempre estivesse do seu lado?
—Lembra da Lila? —Indaguei, umedecendo meus lábios com a língua. —A bruxa que encontrou os corpos, mas que também estava envolvida no roubo da magia? Ela me contou, Meri. Tudo.
—Tudo? —Ela mordeu o lábio e balançou a cabeça afirmativamente. —Eu não estou entendendo nada, Alita. Da última vez que eu soube, Lila estava presa em uma cela junto com você na Catedral. E agora está me dizendo que ela estava envolvida em tudo e ainda me colocou no meio disso? —Meri ergueu as sobrancelhas. —O que eu iria ganhar com isso, exatamente?
—Me diz você, o que você ganhou com isso? —Indaguei, vendo os ombros dela se erguerem e ela cerrar os olhos de forma frustrada.
—Acho que não estamos falando da mesma coisa, Alita. Se Lila contou tudo a você, então me diz, eu roubei a magia ou foi outra pessoa? —Questionou, dando um passo na minha direção. —Ela disse com todas as palavras que eu tinha roubado a magia? Foi isso?
Hesitei, porque Lila apenas jogou meias palavras e deixou que eu as interpretasse do jeito que eu quisesse. Meri riu, esfregando a testa.
—Viu só? Você nem ao menos sabe do que está me acusando! —Cuspiu as palavras. —Eu fiquei do seu lado esse tempo todo, Alita!
—Você trocava correspondências com Sallow. —Afirmei, vendo ela rir e revirar os olhos.
—É óbvio. Meu trabalho era esse. Trocar correspondências com todos os territórios sob ordens suas! —Exclamou, ficando ainda mais vermelha. —Você só pode estar de brincadeira comigo, Alita.
—E porque Lila colocaria a culpa em você, então? —Indaguei, puxando a arma que estava na minha cintura. Meri olhou pra ela e depois pra mim, parecendo surpresa.
—Vai atirar em mim? A gente se conhece a vida toda, Alita. Eu servi você e fui contra as leis para ajudá-la! —Afirmou, enquanto eu comprimia meus lábios, sentindo meu sangue esquentar.
—Não vou atirar em você. Só quero que me conte o que sabe. Me diga porque Lila colocou a culpa em você. Me explique porque suas cartas com Sallow se incendiaram quando eu as toquei e tentei ler o que havia nelas. Me explique, Meri! Simplesmente me explique! —Apertei a arma na minha mão, sentindo o sangue latejar na minha cabeça. —Você é a nova líder do círculo do deserto agora. Era isso que queria desde o início?
—Quer mesmo saber? —Indagou, soltando uma risada fraca. —Não, não era isso. Eu estava indo muito bem servindo você e não me incomodava com isso. Mas então você saiu atrás da magia e as coisas continuaram a acontecer por aqui. Eu ajudei Cal até ele trair os deuses e ser morto. Então eu fui colocada aqui pelos deuses. Não armei pra ganhar esse posto, simplesmente aconteceu, está bem?
—Meus parabéns então. —Afirmei. —Mas como eu vou saber que não está mentindo pra mim? Como, Meri?
Ela me olhou por longos segundos, respirando fundo enquanto engolia com dificuldade.
—Quer saber porque Lila colocou a culpa em mim? Porque era fácil pra ela culpar alguém próximo a você e afastar a desconfiança do verdadeiro culpado. —Meri murmurou, ajeitando os cabelos embaixo do lenço e desviando os olhos de mim. —Eu sei quem roubou a magia, Alita. Descobri isso quando me tornei líder do círculo do deserto. Não sabia disso antes e não participei. Mas pode me culpar por não ter enviado uma carta a você contando. Mas sinceramente? Não faria menor diferença se você soubesse. Não existe nada que você possa fazer pra evitar o que vai acontecer.
—Do que está falando?
—As magias não foram roubadas, Alita. Os deuses apenas a pegaram de volta para si. Levaram-nas para a Catedral com eles e deixaram que todos pensassem que haviam sido roubadas, quando na verdade estavam com eles o tempo todo. —Ela batucou os dedos no próprio braço, antes de envolver corpo em um abraço. —Tudo que eles fizeram foi pra culpar os deuses inferiores. Culpar a nossa espécie disso. A espécie deles próprios.
—Não faz o menor sentido!
—Ah, não? Acha que a maior ameaça dos três deuses são os peregrinos e sua forma de controlar a magia? Somos nós, Alita! Nós que temos o poder de distribuir a magia por todos os outros deuses. Isso está no nosso sangue e eles odeiam isso tanto quanto nos odeiam! —Exclamou, soltando uma risada e gesticulando ao redor. —Estamos em um deserto, sofrendo com problemas o tempo todo. Acha mesmo que eles se importam com a gente? Quando receberam a magia séculos atrás e se tornaram os grandes deuses, o poder não era nada pra eles. Mas esse é o problema, sabia? Quanto mais magia e poder você tem, mais ele sobe a sua cabeça e você desconfia que sempre haverá alguém para rouba-la de você. E nesse caso, os ladrões somos nós!
Desviei os olhos dela para o deserto no horizonte noturno, lembrando das palavras que Tallys usou comigo quando discutimos. Ele disse a mesma coisa. Ele sabia antes de todo mundo a verdade, sem nem sequer perceber que estava dando-nos a resposta para todos os nossos problemas.
—A intenção deles era culpar os deuses inferiores o tempo todo! Você era a isca fácil pra eles. Líder do círculo do deserto que estava sempre se empenhando em fazer a coisa certa. Eles jogaram com você, Alita, e você caiu direitinho na armadilha.
—Como sabe disso? —Indaguei, engolindo em seco, enquanto voltava a olhar pra ela.
—Bem, quando tudo isso acabar, eles não podem sair como os vilões, não é? Você, a líder do círculo do deserto e representante dos deuses, se rebelou e criou o caos ao roubar a magia dos deuses e se uniu com um grupo de bandidos. —Meri engoliu em seco, piscando várias vezes para afastar o tremor nos lábios. —E eu sou a ilusão de que eles não odeiam os deuses inferiores, sua espécie própria espécie, quando tudo isso acabar e só restar alguns de nós. Os mais leais.
—Você fez um acordo com eles. —Constatei, balançando a cabeça.
—A magia do sol foi escondida em Terraria, depois foi para Montear logo depois que você passou por lá com seus amigos. Então foi roubada por um grupo de ladrões que vinham de Atlantis. —Meri olhou pra mim sem piscar. —Mas você está com ela, então... —Ela suspirou. —As outras duas não podem ser encontradas, porque foram usadas para criar aqueles monstros. Para que eles fossem fortes e mortais. —O ar se prendeu na minha garganta quando entendi o que estava acontecendo e o que iria acontecer. —Os deuses querem prender você é acusá-la de traição. Então vão soltar aquelas criaturas em Solaris e deixar que elas matem qualquer coisa que se mova pelo deserto. Principalmente nossa espécie. No final de tudo, toda a culpa vai cair sobre você, quando os deuses aparecerem aqui para lutarem contra as criaturas que eles mesmo criaram.
—Você fez o acordo com eles porque...
—Porque eu quero viver. Se eu não fizer isso, vou ser acusada junto com todos vocês. Não me leve a mal, Alita. Eu gosto de você. Mas estou tentando sobreviver. —Afirmou, esfregando as bochechas e encolhendo os ombros. —Eles estão apenas aguardando a sua prisão para soltarem as criaturas. Isso teria acontecido naquele dia, se Cal não tivesse se rebelado contra eles e a ajudado a escapar. Mas você entende, não é? Não existe nada que se possa fazer.
—Sempre existe algo que se possa fazer. —Afirmei, não sabendo ao certo o que faria, mas tendo certeza de que aquilo não ficaria daquele jeito. —Sallow e Kallias sabiam?
—Eles eram a distração. Três mortes em todos os territórios. As três magias sendo roubadas. —Ela desviou os olhos de mim e suspirou, balançando a cabeça. —Estava na nossa cara o tempo todo, Alita. Três deuses. Três culpados.
—Como faço para pegar a magia que está nas criaturas? —Indaguei, vendo ela arregalar os olhos.
—Não tem como. Eles são devoradores de magia. São parte dela agora. Teria que matar todas as criaturas que foram criadas com elas. Ou... matar os três deuses.
Continua...
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Os Domínios do Deserto
FantasyNas terras do continente Esmeralda, muito se fala sobre os deuses capazes de ditar os dias e as noites, controlando o sol, a lua e as estrelas. Mas outros seres caminham por aquelas terras, reverenciando-os e convivendo com os deuses inferiores, que...