Capítulo 30: Conjuradores.

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Como líder do círculo do deserto, eu sempre tive muita curiosidade pra saber como o mercado negro funcionava e era. Como nunca de fato consegui prender alguém que trabalhava nesse meio, o que devo acarretar ser culpa de Cal agora, nunca consegui saber muito sobre esse lugar. Mas quando o navio de Stella atracou na costa do rio que cortava Montear e Solaris, perto das montanhas, percebi o porquê de nunca conseguir encontrar um meio de chegar a esse mercado.

—Estão prontos? —Stella indagou, enquanto carregava sua pistola e a prendia na cintura, junto com um conjunto de facas que circulava seu quadril. Bom, ela era bem preparada. Para qualquer coisa, de fato.

Meus pés se firmaram no deck de madeira velha e apodrecida, enquanto os outros desembarcavam atrás de mim. Encarei a faixa de floresta que se abria a nossa frente, antes das montanhas pintarem o horizonte. Stella pegou a frente, com um grupo de marujos atrás dela.

Olhei para trás ao escutar Tallys murmurando alguma coisa baixa e acabei erguendo as sobrancelhas ao ver Jacks entregando um frasco com sangue pra ele, enquanto Tallys tinha um sorriso muito grande no rosto. Olhei para Lila que estava do meu lado, fazendo uma careta pra ela, que apenas deu de ombros.

No meio da floresta, tomada por musgos e arbustos, uma pequena casa de pedra estava erguida. A porta de madeira estava quebrada e tudo levava a crer que ninguém vivia ali. Stella passou pela porta, entrando em um cômodo revirado e sujo do que um dia deveria ter sido uma sala. Olhei para a parede onde um quadro imenso de uma paisagem de uma cachoeira estava. Stella estava parada na frente dele, nos encarando por cima do ombro.

—Apenas uma dica. —Ela sorriu, como alguém prestes a se divertir muito. —Cuidado com suas moedas de ouro.

E então ela atravessou o quadro, passando por ele como se ele fosse uma ilusão. Lembrei da parede do navio, depois da sala de espelhos e não me dei ao trabalho de avaliar a reação dos outros atrás de mim. Atravessei logo atrás de Stella, chegando ao que parecia uma cidade no meio de uma floresta, com a noite reinando e as ruas lotadas de pessoas vendendo coisas.

Tentei absorver a imagem de todas as criaturas que havia ali. Elfos, elementais, vampiros, bruxas, humanos, fadas... Havia uma sereia presa em uma caixa de vidro, sendo carregada por dois homens que eu podia girar serem feitos apenas de músculos. Crianças correndo e enfiando as mãos nos bolsos das pessoas, roubando cada moeda que eles encontrassem.

Desviei de uma mulher que passou correndo atrás de nós. Metade do seu cabelo era preto e a outra metade azul escuro. Ela estava fugindo do que pareciam guardas. Mas eu duvidava muito que existisse alguém para checar a lei por ali. A mulher corria tão rápido, desviando das pessoas e empurrando as coisas pelo caminho, que era difícil não acompanhar.

—É uma Yatori. —Stella parou ao meu lado, vendo onde minha atenção estava.

—O que isso quer dizer? —Indaguei, fazendo uma careta, enquanto Tallys e os outros surgiam pela parede atrás de nós.

—Veja. —Ela apontou para a mulher, que no segundo que iria ser pega, se transformou em um felino imenso de pelagem negra. As garras dela cortaram o ar, acertando os homens que estavam atrás dela. Quando estava livre, atravessou a parede de uma das construções, desaparecendo. —Yatoris usam a magia para se transformar em outra coisa.

—Tipo lobos? —Ela negou com a cabeça. Tallys parou ao meu lado, olhando para os homens caídos no chão.

—Se transformar em lobos está no sangue deles. Eles nascem com isso. Yatoris adquirem com o tempo, dependendo do contato que possuem com a magia. Alguns consideram eles erros da natureza. —Stella deu de ombros, parecendo não entender. —Acham que pessoas não deveriam conseguir se transformar em outras criaturas. Eles não possuem um mundo próprio. Estão espalhados por aí. —Stella tocou meu braço, me obrigando a andar ao seu lado por aquelas ruas lotadas. —Escondidos, sendo caçados... tentando viver a vida sem chamar a atenção desses caras.

Passamos pelos homens caídos do chão, com cortes pelo peito e as roupas rasgadas, depois de terem sido atacados por aquela coisa imensa que a mulher havia se transformado.

—E o que eles são? —Lila indagou atrás de mim, depois de passarmos por eles. —Esses caras? Porque ficar caçando eles?

—Como eu disse, alguns os consideram erros da natureza. Não sei quem eles são. Eles só aparecerem e matam qualquer um que ouse se transformar em outra coisa. —Stella engoliu com dificuldade, como se estivesse se lembrando de algo. Mas sua expressão logo se sua suavizou, como se estivesse tudo bem. —De qualquer forma, a maior parte do tempo eles precisam viver fugindo. Ou nunca se transformar em algo. Já ouvi histórias de alguns Yatoris que vivem em alcateias, fingindo serem lobos. Mas para quem se transforma em outras coisas, é mais difícil.

—Não deve ser fácil viver fugindo ou com medo. —Afirmei, observando a visão dos lábios de Stella tremerem.

—Isso não faz sentido. Erros da natureza? —Tallys balançou a cabeça negativamente. —O que tem demais em se transformar em outras cois...

Uma criança esbarrou nele e Tallys agarrou a mesma pela camisa, a erguendo com o braço, como se o garoto que parecia ter 10 anos não pesasse nada. Ele agarrou a mão do garoto com a mão livre e arrancou as moedas que ele segurava.

—Isso é meu, obrigada, mini ladrãozinho. —Tallys o soltou. —Vá roubar alguém menos esperto. —O garoto fez um gesto obsceno para Tallys e saiu em disparada. Me virei para Stella, vendo que ela estava observando Tallys com um sorriso nos lábios, que morreu assim que ela viu que eu a olhava. —O que tem demais em se transformar em outras coisas? Lobos fazem isso o tempo todo.

—Isso está no sangue deles. —Jacks afirmou, quando voltamos a andar. —Stella acabou de dizer isso.

—Grande merda. Que diferença tem? —Tallys insistiu.

—Conjuradores são a mesma coisa que elementais ou portadores? —Stella olhou pra ele por cima do ombro, com uma das sobrancelhas erguidas.

—Eu nem sei o que é um conjurador, pra início de conversa. —Tallys exclamou.

—Pelo amor dos deuses, você não estudou a história dos outros mundos? Das outras dimensões? —Lila indagou, soando chocada, enquanto negava com a cabeça.

—Porque estudar a história de outros mundos, se não tenho pretenção alguma de sair desse aqui? —Tallys olhou pra ela, dando de ombros.

—Ele tem um ponto. —Jacks concordo, com os lábios curvados em um sorriso quase insistente. —E eu concordo com ele. Não tem porque saber de outras dimensões se não vamos sair dessa.

—Tá, e desde quando você são amigos? —Indaguei, apontando de um para o outro. Tallys soltou uma risada, mas Jacks fez uma careta.

—Não sou amigo dele. —Jacks afirmou, ao mesmo tempo que Tallys dizia;

—Desde quando ele arruma sangue pra mim com magia... —Ele parou, olhou para Jacks e suspirou. —Assim você me magoa, cara. Pensei que a amizade era recíproca.

Soltei uma gargalhada junto com Stella, que parecia mais do que divertida com a situação. Jacks revirou os olhos e bufou, enquanto Tallys abria um sorriso e cutucava a costela dele com o cotovelo.

—De qualquer forma, não importa, Yatoris e conjuradores não estão no nosso caminho. —Stella afirmou, abrindo um sorriso amargo. —O líder do círculo das almas está.



Continua...

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