Capítulo 50: Mundo dos mortos.

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A vila estava estranhamente silenciosa. Não havia ninguém nas ruas e nas casas, apesar da fumaça saindo das chaminés deixar claro que viviam pessoas ali. O único som vinha daquele chalé, que pareciam vozes, risadas e o que parecia ser música.

—Não é estranho que não tenham percebido que estamos aqui? —Tallys indagou, passando as mãos nos cabelos, para espantar os flocos de neve.

—Eles já sabe que estamos aqui. —Jacks rebateu, sem parar de caminhar na direção daquele chalé. —Eles só vão atacar se atacarmos primeiro. Então, guardem as armas se não quiserem estragar tudo.

—Tranquilizador. —Stella murmurou, soando mais como um resmungo.

Continuamos a andar, passando pelo meio das casas, observando as fogueiras e tochas, até chegarmos naquele chalé, que mais parecia um castelo. Jacks foi até as portas de madeira, embaixo de um arco de pedra, que continha símbolos antigos que eu não conhecia. Ele as empurrou, fazendo o som da música, vozes e risadas ficar mais alto e claro. Entramos no corredor, deixando a neve para o lado de fora quando as portas se fecharam atrás de nós.

Escutei alguns sussurros céticos vindo dos homens atrás de Stella, mas nenhum deles reclamou quando Jacks seguiu em frente, nos obrigando a ir atrás. Antes de chegarmos até o final do corredor, Jacks parou na frente de duas portas de madeira escura, que estavam fechadas, mas de onde vinham todos aqueles barulhos.

Engoli em seco quando ele olhou pra mim, erguendo as sobrancelhas antes de segurar as portas e então empurra-las, fazendo elas se abrirem com um som que ecoou por toda a sala do outro lado. A música parou. As risadas e as conversas cessaram. Cabeças giraram na nossa direção e milhares de pares de olhos nos encararam.

A sala estava cheia de mesas imensas, enfileiradas uma do lado da outra, com pares de bancos. Comidas preenchiam cada espaço delas, enquanto grupos de pessoas se sentavam ao redor. Asas negras por todos os lados. Pares de chifres e olhos prateados. Haviam famílias de peregrinos ali. Mais do que um dia eu podia imaginar ver. Haviam outros, sem asas e nada peculiar a mostra, que provavelmente eram magos ou feiticeiros.

Um pequeno corredor entre as mesas ia direto para uma mesa maior e mais extensa, onde três pessoas estavam sentadas. Um mago, um peregrino e um feiticeiro. Os representantes da vila de Atlantis. Estavam olhando na nossa direção também. Mais especificamente para Jacks.

Não havia percebido até aquele momento que eles não estavam curiosos com um bando de forasteiros, mas sim com Jacks, que tinha acabado de entrar naquela sala, caminhado por aquele corredor em direção a mesa principal, onde os três representantes estavam. Troquei um olhar com Stella e Tallys, ficando exatamente onde eu estava e deixando que Jacks guiasse aquilo.

Jacks parou na frente da mesa, com as asas recolhidas atrás de si, os ombros erguidos, assim como o queixo. Ele não disse nada, enquanto era avaliado pelos três.

—Jacks. —O peregrino murmurou, se inclinando na mesa. Sabia que o nome dele era Maximus, pela história que Jacks havia contado. —É você mesmo?

—Senhor! —Jacks fez um leve movimento com a cabeça.

—Pensamos que estava morto. —Um dos homens ao lado de Maximus disse. E pelas roupas escuras e o chapéu, eu imaginava ser o representante dos feiticeiros.

—Estou muito vivo. —Jacks afirmou, enquanto eu via alguns olhares se voltarem para nós. —E de volta ao meu lar. Trouxe comigo alguns convidados.

Maximus avaliou Jacks, parecendo não saber o que esperar vindo dele. Mas então fez um aceno com a cabeça, indicando nosso grupo.

—Traga-os até aqui e apresente seus amigos. —Pediu, se reclinando sobre a cadeira, como um rei pronto para conhecer alguns súditos.

Jacks se virou para nós, com a sombra de um sorriso nos lábios. Caminhamos por aquele corredor, com todas as cabeças virando para acompanhar nossos movimentos. Paramos um passo atrás de Jacks, encarando os três.

—Senhores, quero apresentar a vocês Stella, nossa contrabandista e seus aliados. —Jacks indicou Stella e os homens atrás dela. —Tallys, nosso vampiro.

Tallys abriu um sorrisinho, apesar de não parecer muito contente. Então Jacks estendeu a mão na minha direção, fazendo o sangue esquentar nas minhas veias. Me aproximei dele, levando minha mão até a sua, até sentir seus dedos firmes apertarem meus dedos, enquanto eu me colocava ao lado dele.

—E essa é a senhorita Alita Aziz, líder do círculo dos impostores e comandante das raposas do deserto. —Jacks soltou minha mão, tocando minha coluna.

—Ora, srta. Aziz. —Maximus ficou de pé, abrindo um sorriso caloroso. —Já ouvimos muito falar sobre a senhorita por aqui. Principalmente nos últimos dias. Está famosa, sabia?

—Famosa de um jeito errado, tenho certeza. —Comentei, fazendo o sorriso dele se alargar, enquanto meus lábios estavam colados um no outro.

—Sabemos sobre os boatos. A verdade é o seu coração que carrega. —Proferiu, com as asas se abrindo de leve atrás dele.

Sua pele clara parecia ainda mais pálida com a luz das chamas das tochas ali. E os olhos prateados, diferente dos de Jacks, tinham um tom que eu não gostava nem um pouco.

—Me diga, o que trás você e seu grupo aqui? —Maximus indagou, enquanto eu olhava de relance para Jacks. —Devo agradecer por trazer um dos meus de volta. Tínhamos certeza absoluta que Jacks estava morto. Mas pelo visto, ele preferiu voar para longe e conquistar as próprias coisas.

Abri um sorriso, sentindo que o tom daquelas palavras era falso, principalmente pela tensão dos dedos de Jacks na minha coluna e da rigidez de seus ombros.

—Jacks foi um achado e tanto pra mim. —Afirmei, abrindo o maior sorriso que conseguia para o peregrino. —É um dos pilares do círculo dos impostores. Vai me perdoar por não ter pretenção alguma de devolvê-lo ao seu povo.

Maximus soltou uma risada baixa, voltando a se sentar, enquanto eu sentia os olhos de Jacks queimando na minha pele. Mas não olhei pra ele. Ergui o queixo e prossegui.

—Eu e meus amigos queremos apenas abrigo. Não vamos ficar muito tempo. Mas vamos entender se preferirem que não fiquemos aqui. —Completei, deixando meu sorriso mais solicito a mostra. —Costumamos atrair problemas.

—Ah, não. Vocês são mais do que bem-vindos. —Maximus olhou para os dois companheiros sentados na sua mesa, antes de olhar para Jacks. —Os irmãos de Jacks não me perdoariam por mandar o irmão deles embora, logo agora que descobrimos que ele está vivo.

Olhei para o lado, escutando o rangido do chão, quando três peregrinos ficaram de pé no meio daquele mar de mesas e pessoas. Jacks soltou uma risada, olhando na direção deles com o mais puro desdém. Os três se aproximaram de onde estávamos, olhando para Jacks com os olhos prateados cerrados e confusos, ao mesmo tempo que surpresos.

—Jacks. —O mais alto deles murmurou, com o nome soando como um fantasma nos lábios dele.

—Olá, irmãos. —Jacks falou, abrindo um sorriso para os três, inclinando a cabeça para o lado. —Deixei o mundo dos mortos para vir fazer uma visitinha aos três.



Continua...

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