Capítulo 28: Sangue humano.

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Stella estava me encarando a uns bons minutos, com uma garrafa de rum na mão e uma expressão confusa e ao mesmo tempo surpresa. Desviei os olhos dela para Jacks, que estava relaxado sobre o sofá do escritório dela, também olhando pra mim, com os olhos prateados parecendo mais profundos que o normal.

—Deixa eu ver se entendi. —Stella passou as mãos nos cabelos roxos, antes de esfregar a bochecha. —Você está procurando a magia dos deuses que foi roubada, e precisa falar com Sallow porque acredita que ele está ligado a morte de um bruxo chamado Breno que criava monstros?

Encolhi os ombros quando Lila soltou uma risada, do sofá na ponta oposta de Jacks.

—Falando assim parece que é mentira. —Lila murmurou. —Mas é exatamente isso. E a proposito, já vimos os monstros. São nojentos e carniceiros.

—Certo, vou ficar longe da parte relacionada a monstros. —Stella se voltou pra mim, pressionando os lábios em uma linha fina. —Você quer minha ajuda para chegar até Sallow? —Foi uma pergunta retorica, mas confirmei mesmo assim. —Não é uma coisa fácil. Você como líder do circulo do deserto sabe disso.

—Não sou mais. —Rebati, vendo ela arquear as sobrancelhas. —Perdi o posto. Cal está no meu lugar.

—O Cal é o novo líder do círculo do deserto? O Cal? —Ela fez uma careta, com a voz cheia de descrença. —Tem certeza que estamos falando do mesmo Cal?

—É, ele não ficou muito feliz. —Dei de ombros, me remexendo no lugar. Queria entender qual a ligação de Cal com uma deusa inferior que não vive sequer em Solaris. —Você parece conhecer bem ele.

—Temos uma historia interessante juntos. —Ela desviou os olhos de mim, em um sinal de desconforto. —Tenho uma dívida com ele, e apesar de nunca me cobrar nada, acho que é por isso que te mandou até aqui. Ele sabe que eu não hesitaria em ajudar a irmã dele.

—Então você pode me colocar frente a frente com Sallow?

—Vou tentar. —Ela piscou pra mim e então desviou os olhos para Tallys, que estava entrando no escritório, olhando para todos, menos pra ela.

—Você está bem? —Lila olhou pra ele, que parecia um pouco abatido demais pra um vampiro.

—Não bebo sangue a uns dias. —Ele olhou pra mim, engolindo com dificuldade. —Estou faminto. Está ficando difícil me segurar com tanta gente nesse navio.

—Posso pedir pra alguém ir buscar sangue pra você. —Stella propôs, e Tallys olhou pra ela por alguns segundos, antes de desviar os olhos de novo. —Ou paramos em algum ponto do rio e você desce para caçar alguma coisa. O que não falta em Montear são animais.

Jacks ficou ereto no sofá, girando a cabeça para encarar Tallys.

—Posso arrumar pra você. —Ele tombou a cabeça de lado, piscando de forma lenta.

—Quer sair pra caçar pra mim? —Tallys fez uma careta, parecendo não acreditar no que ouvia. —Isso soa meio estranho, cara.

Jacks soltou uma risada sarcástica e estendeu a mão pro lado. Pisquei várias vezes para ter certeza do que havia acabado de acontecer, já que a alguns segundos atrás a mão dele estava vazia. Mas agora ele segurava um cálice.

—Vocês vampiros sempre tem uma predileção por sangue humano, não é? —Jacks estendeu a mão com o cálice para Tallys e tanto eu como Lila e Stella erguemos os pescoços para olhar o cálice, encontrando-o cheio daquele líquido escarlate, que agora impregnava a cabine com o seu cheiro metálico.

Tallys hesitou, mas segurou o cálice e encarou o sangue ali dentro. Vi ele engolir em seco, ao mesmo tempo que os olhos começavam a ficar vermelhos quando a sede falou mais alto. Ficamos em silêncio, apenas observando ele levar até os lábios e beber muito lentamente, antes de afastar o cálice e passar a língua nos lábios.

—Puta merda, puta merda, puta merda! —Tallys exclamou, com sua expressão se abrindo em êxtase. —Faz de novo! Puta merda, faz de novo!

Jacks soltou uma risada e o cálice se encheu de novo, com Tallys não hesitando um segundo antes de beber de novo, com a expressão ficando iluminada a cada gole bebido.

—Não sabia que podia fazer isso. —Lila murmurou, se levantando e pegando o cálice das mãos de Tallys. —Por que não criou uma chave ou qualquer coisa que te livrasse da prisão?

—Porque magia não funciona dentro daquelas paredes rochosas. —Respondi no lugar de Jacks, vendo ele encher o cálice uma terceira vez, enquanto Lila devolvia-o para um Tallys muito feliz. —E ele precisa ter acesso a magia para fazer isso.

—O que mais pode criar? —Stella indagou, arqueando as sobrancelhas. Jacks deu de ombros, com um ar preguiçoso.

—Dependendo da intensidade de magia disponível, qualquer coisa. —Ele estendeu a mão e uma maçã caiu sobre a palma, enquanto ele fechava os dedos ao redor dela.

Tallys desabou no sofá ao redor dele, parecendo pronto para tirar umas boas horas do melhor sono do mundo. Jacks olhou pra ele e balançou a cabeça negativamente, com um ar um pouco divertido, antes de se voltar para mim e jogar a maçã na minha direção, com um ar desinteressado. A segurei, esfregando-a nas minhas mãos, enquanto erguia uma das sobrancelhas pra ele, que apenas voltou a ficar relaxado no sofá.

—Tudo bem. —Stella apontou pra ele depois de alguns segundos. —Asas, chifres, olhos prateados. Então... você tem um rabinho também?

—Que pergunta é essa? —Jacks fez uma careta, erguendo as sobrancelhas. Lila soltou uma risada, esfregando as mãos no rosto.

—Que bom que perguntou. Eu também estava curiosa pra saber e não sabia como perguntar. —Afirmou, e eu acabei mordendo o lábio para não rir, já que Jacks não parecia tão animado com a conversa.

—Olha, não é tão comum assim ver peregrinos por aqui. Vi só uns três no último século. E vocês não são muito de conversar. Além disso, nunca sei se algo sobre vocês é verdade ou lenda. —Stella olhou para Jacks de cima a baixo. —A beleza rara e única é verdade. Ligados a magia, você acabou de provar que é. Mas e o rabo, tem ou não tem?

Tallys se remexeu ao lado de Jacks, parecendo tão desconfortável quanto o peregrino.

—Sim, peregrinos tem rabos. —Jacks resmungou, entretendes. Stella abriu a boca, mas Jacks lançou um olhar afiado que a fez ficar quieta. —Não saímos por aí mostrando ele para qualquer um que tenha uma mente curiosa demais.

Ela deu de ombros, sorrindo.

—Bem, eu não era a única curiosa aqui. —Ela gesticulou em direção a Lila, que agora estava avaliando Jacks. —Você não estava curiosa, Alita?

Olhei pra ela no mesmo instante, sentindo meu rosto esquentar. Agradeci por minha pele ser negra e nenhum deles perceber o constrangimento.

—Não.

—Mentirosa. —Stella retrucou baixinho e então se virou para Jacks. —Tudo bem, eu queria ver. Mas já que você é tão ranzinza, pode continuar com ele escondido.

Ele ergueu uma das sobrancelhas, cerrando os olhos na direção de Stella, antes de abrir um sorriso com o canto dos lábios e balançar a cabeça negativamente.

—Usamos ele apenas quando queremos conquistar alguma fêmea e demonstrar interesse. —Jacks afirmou, muito lentamente. —E só deixamos ele a mostra quando vamos pra cama com a fêmea desejada.

—Acho que não estamos mais falando do mesma coisa, Jacks. —Stella provocou, soltando uma risada.

—Ou você só está querendo desviar a atenção pra outra coisa. —Jacks deu de ombros, desviando os olhos dela para mim. —De qualquer forma, já supri sua curiosidade. E essa nem é a coisa mais interessante pra se saber sobre nós.

—Então me conte algo interessante sobre vocês. —Falei, vendo os lábios dele tremerem para não se curvarem em um sorriso.

—Não gostamos de deuses inferiores. —Ele sibilou, me lançando um olhar desafiador. —Das fêmeas principalmente.

—Sua raiva por mim é adorável, Jacks. —Afirmei, vendo Stella esconder um sorriso atrás da garrafa de rum. —Pena pra você, que não pode sequer encostar em mim para me matar.

Ele deu de ombros de novo, como se aquilo fosse irrelevante no momento.

—Posso fazer outras coisas enquanto isso.



Continua...

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