CAPÍTULO 44

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[POV Luiza Campos]

Aos poucos um som incessante me fez despertar de um cochilo profundo, meu pager vibrando incansavelmente no bolso do jaleco alertava que alguém precisava de mim. Logo em seguida a vibração parou. 

Olhei para o lado e lá estava Valentina, deitada de bruços com o rosto apoiado sobre as costas de suas mãos, ainda vestindo apenas um conjunto de calcinha e sutiã de renda. 

Melhor que ter essa mulher incrivelmente gostosa só pra mim, é ter a honra de acordar ao lado dela depois de tudo que ela passou. Eu no lugar dela, fugiria de me relacionar com alguém.

O pager começou a vibrar novamente. Comecei a me vestir o mais rápido possível.

- Amor? Quem está ligando? - Valentina murmurava ainda completamente sonolenta.

- É meu pager, princesa. Precisam de mim na entrada do hospital. - comecei a ler o visor com mais atenção e gelei ao ver o nome em destaque.

- Que estranho. - Valentina se sentou na cama e notou meu espanto. - Que foi?

- É a Gigi, uma paciente que eu vou operar hoje de noite. - terminei de calçar o sapatos e saí correndo em direção ao local onde eu era solicitada. - Até logo, meu bem.


Liguei para a recepção no caminho para a entrada do hospital e nada de me responderem, Gigi deveria estar fazendo os exames pré operatórios, não deveria estar aqui.

As portas do elevador se abriram no andar térreo e quando bati os olhos no hall de entrada, lá estava a mãe de Gigi chorando e uma equipe de enfermeiros e residentes ao redor do pequeno corpo da garotinha.

- Doutora Campos! Graças a Deus! Ajude minha filha, por favor.

- Por que ela está aqui e não em seu quarto? - perguntei enquanto vestia um par de luvas descartáveis que uma enfermeira me forneceu.

- A administração do hospital disse que o procedimento não era coberto pelo seguro - ela soluçava. - E enviaram um médico para dar alta, ele disse que tudo bem adiar a cirurgia até juntarmos dinheiro suficiente.

A essa altura meu sangue fervia nas veias, tudo isso era mentira. A hérnia dela embora não a colocasse em grande risco quando fizéssemos a cirurgia, era uma bomba relógio, que poderia romper e causar muito estrago se não fosse remediada a tempo. Maldita Luschesi e seu bando de golpistas.

O abdômen de Gigi sangrava e ela estava pálida devido à perda massiva de sangue, eu precisava clampear, ou seja, prender uma região de sua incisão para parar temporariamente seu sangramento.

- Doutora, devo reservar uma sala? - um residente perguntou.

- Sim, por favor. - apontei para outra residente. - Você, pegue uma bandeja com o bisturi e duas pinças anatômicas. - pedi para outro residente.

- Sim, senhora. - ambos os residentes saíram correndo. Uma poça de sangue começava a se formar mesmo com todo tecido hospitalar azul que colocávamos em cima do mesmo para absorvê-lo.

- Mary, - apontei para outra residente. - preciso de heparina e metropolol.

Os medicamentos que pedi me ajudariam respectivamente a impedir a coagulação do sangue da paciente e o beta-bloqueador a manter a pressão arterial de Gigi estável.

Todos estavam seguindo meus pedidos com a maior precisão e velocidade possíveis. Gigi Fields não usava mais roupas de hospital, mas sim suas roupas comuns. Estávamos ficando sem tempo, a hérnia incisional estava encarcerada, ou seja, uma porção de seu intestino grosso estava preso dentro da hérnia, que era um caroço que só aumentava de diâmetro. Caso evoluísse para um estrangulamento, Gigi perderia a circulação de sangue, ficaria muito mais suscetível a infecções e correria risco de vida.

Um grupo de pelo menos dez pessoas se mobilizavam entre enfermeiros, residentes e auxiliares.

- Clampe. - solicitei para prender as extremidades que sangravam afim de impedir uma hemorragia.

- O que está acontecendo aqui? - uma voz polida paira no ar até atingir meus ouvidos. Era a voz de Elizabeth Beggs, a presidente do hospital.

- Ela teve uma complicação, precisa de cirurgia de urgência. - limpei a garganta depois de responder. Me virei para olhá-la e ao seu lado estava a outra loira empenhada em perturbar minha vida.

- Parem o que quer que seja que estejam fazendo. - a voz de Giovanna Luschesi saiu mais alta e imperativa fazendo todos ficarem imóveis.

- Mary, segura o clampe pra mim, por favor? - para impedir que o sangue de Gigi se esvaisse ainda mais, precisava de no mínimo duas pessoas para segurar esse clampe até a sala de cirurgia onde será seguro retirarmos e contornarmos a situação.

A residente variava o olhar entre eu, a paciente e as chefes do hospital assim como todo o resto da equipe fazia, mas continuavam me ajudando.

- Doutora Campos, afaste-se. - Giovanna continuou.

- Não posso fazer isso, ela pode não resistir. - olhei no fundo dos olhos dela e o olhar que Giovanna me retribuiu foi o de desdém. Gigi começou a tossir sangue. Droga, seus órgãos estão colapsando um a um

Ainda desacordada, sua pele clarinha estava quase branca como papel, não tínhamos mais muito tempo. Fiz o clampeamento em uma parte da hérnia, mas precisava de outro par de mãos para estabilizar esse sangramento.

- Não vou repetir, afastem-se. - ela sequer se importava com a vida da garotinha de 10 anos. - Após os próximos 3 segundos, todos que estiverem perto dessa paciente se considerem demitidos. Por justa causa.

- Por favor, me escutem. Ela não pode e não vai demitir todos vocês de uma vez. - respirei fundo tentando acreditar no que eu mesma estava dizendo para a equipe. - Me ajudem a levá-la para a sala de cirurgia.

Toda a recepção estava estática tanto pacientes quanto colaboradores. Os seguranças cercaram o espaço onde estávamos para termos mais espaço, todos olhavam em minha direção.

- Você, que está segurando o soro – ela apontou para uma das enfermeiras. - Demitida.

A enfermeira em questão soltou o soro sobre o peito da paciente e se retirou. Assumi sua função de segurar o soro enquanto com a mão direita clampeava o ferimento.

- Me desculpa doutora Campos, eu preciso muito dessa bolsa. - Mary, a residente se afastou e o sangramento continuou desenfreadamente. Cada um dos profissionais envolvidos ali foram se retirando.

Eu não tinha muito mais o que fazer, sozinha não tinha recursos e mobilidade para fazer o necessário para ajudá-la, só me restava deixá-la confortável. Por conta da ganância, ódio e maldade de Luschesi e sua corja, uma garota que mal pode viver sua vida estava tendo a mesma arrancada de si.

- Luizaaaa! - conheço essa voz. Valentina grita correndo pelo corredor em minha direção.

- Tô aqui!

- O que tá acontecendo??? - ao se aproximar de mim e de Gigi no chão, Valentina me olhou espantada. - Por que estão todos parados?

- Giovanna ameaçou todos que me ajudassem. Disse que demitiria todos. - indiquei a outra clampe com a cabeça para que ela me ajudasse.

- E a mesma regra serve para vocês duas. - Giovanna esbravejou. - Valentina e Luiza, afastem-se.

Valentina colocou um par de luvas descartáveis olhando fundo nos olhos de Giovanna e prontamente passou a me ajudar.

- Ela está sufocando, vamos vira-la de lado. - inclinei levemente seu tronco para ajudar o sangue que se acumulava em sua boca a sair.

- Paciente entrando em código, precisamos de um carrinho de parada. - Valentina falou momentaneamente se esquecendo que ninguém nos ajudaria.

Se Valentina soltasse o clampeamento que havia feito, o sangramento seria fatal e teria acabado em segundos. Se eu soltasse o soro, teríamos algum tempo para fazer alguma manobra, mas dependeria de medicações que não estavam ao nosso alcance. Se iniciássemos a massagem cardíaca, dado o grau de estrangulamento da hérnia, seus órgãos não resistiriam da mesma forma.

- Estamos sem saída. - Valentina e eu falamos baixo exatamente ao mesmo tempo.


Predestinadas - ValuOnde histórias criam vida. Descubra agora