CAPÍTULO 51

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[POV Valentina Albuquerque]

Dois meses se passaram desde que dei adeus a Giovanna e a tudo de ruim que ela representava em minha vida.

No dia seguinte àquela última visita no hospital, iniciei a terapia, atitude que deveria ter tomado há tempos, mas como a Doutora Rosemeire, - minha terapeuta - disse, o importante foi eu ter tomado essa atitude.

Luiza e eu estamos ainda mais unidas e felizes em nosso relacionamento, tudo que vivemos juntas só fortaleceu o vínculo de amor, cumplicidade e respeito que já era muito forte entre nós. Estamos juntas há 6 meses e a impressão que tive por tudo que já vivemos é que foram anos.

O Grupo Médico Luschesi agora passava por uma reestruturação muito bem planejada por mim, por Luiza e por um exército de advogados. Começamos a mudança pelo nome que agora é Grupo Médico e Filantrópico Gigi Fields, em homenagem a garotinha que perdeu a vida em decorrência das atitudes de Giovanna.

Depois de assinar a procuração, além de chefe da cirurgia, também me tornei chefe do conselho. Dessa forma pude facilitar a exposição das fraudes para as autoridades e em troca o hospital continuaria sem ser acusado diretamente na justiça.
Nós também devolvemos o dinheiro de cada uma das 255 vítimas da antiga gestão e revertemos diversos casos onde a cirurgia havia sido realizada de forma incorreta.

- Valentina, a presidente Beggs está aqui, posso deixa-la entrar? - Nadine anunciou colocando parte do corpo para dentro da sala pela porta entreaberta.

- Pode sim, Nadine. Por favor - respirei fundo para conduzir a conversa que precisaria ter agora.

Elizabeth Beggs, a presidente do hospital assumiu essa posição após um golpe, desde então tomou atitudes cruéis em nome de Giovanna e não moveu sequer um músculo para impedir as diversas fraudes.

Logo quando Giovanna foi presa, ela alegou que não sabia de tais atrocidades, mas as cirurgias realizadas sob autorização dela por acaso eram todas as 255 vítimas que constam como fraude.

- Doutora Albuquerque, podemos conversar? - o tom superior que ela usava com todos desapareceu.

- Sente-se, por favor. - olhei nos olhos de Elizabeth e eles eram aflitos, temerosos.

- Eu imagino porque me chamou aqui e é ridículo me chamar na sala de chefe da cirurgia para tal. - o tom superior sumiu, mas a grosseria e falta de educação permaneciam firme e forte.

- Meu cargo ou domínio não se restringe somente à sala onde trabalho, Elizabeth. Você melhor do que ninguém deveria saber disso. - falei firme.

- Podemos prosseguir? - ela desviou o olhar.

-Eu não acredito nem um pouco que você não sabia de tudo que acontecia aqui. Essa é sua chance de contar a verdade.

- Vocês não fazem ideia de como ela era. - Elizabeth olhou para as próprias mãos repousadas em seu colo.

- Faço sim, fui casada com ela. - limpei a garganta. - O que ela fez? Te obrigou?

Silêncio.

- Elizabeth, o que ela fez?

- Ela ameaçou meus pais, Valentina. - o olhar de Beggs encontrou o meu. As lágrimas começaram a rolar por suas bochechas. - Eles são tudo o que tenho.

Definitivamente não era o que esperava ouvir. Giovanna foi covarde até com ela que era seu braço direito.

- Pode me explicar melhor? - me levantei para pegar um copo d'água para Elizabeth.

- Eu trabalho para o Grupo Médico fazem 4 anos e eu realmente não sabia dessas fraudes no começo, eu era secretária de um dos membros do conselho e ele aos poucos foi me envolvendo nesses processos.

- Quando você percebeu...

- Não tinha mais volta. - Beggs completou. - Ela manifestou um interesse surreal em comprar esse hospital e eu não entendia o motivo até descobrir por aquela coletiva que vocês eram casadas e etc.

A entrevista a qual Elizabeth se referia é a que fui obrigada a dar há um mês atrás para aliviar o clima hostil entre os milhares de pacientes que passaram a duvidar de seus diagnósticos e o hospital.  Nessa coletiva eu, juntamente com o investigador Álvares, expliquei sobre as fraudes, sobre a motivação por trás de tudo e principalmente sobre o que seria feito a respeito.

- Você disse que ela ameaçou seus pais, como assim?

- Eu não sou bilionária que nem você. Sequer tenho formação acadêmica para estar nesse cargo. Ela sabia que eu precisava do dinheiro e se aproveitou disso e de seu conhecimento sobre o estado de saúde dos meus pais para me manipular.

- O que eles têm?

- Meu pai tem insuficiência renal crônica e minha mãe foi diagnosticada com ELA, o custo com tudo isso não é baixo e a promoção como presidente de um hospital desse porte me possibilitou ajudar meus pais a viverem mais e melhor. - ela bebeu a água restante no copo de uma vez.

ELA é a sigla para esclerose lateral amiotrófica, uma condição neurológica progressiva e incurável, ou seja, tanto essa condição,  quanto a insuficiência renal de seu pai exigiam suporte mecânico, médico e multidisciplinar constante o que sai bem caro, principalmente em países como os Estados Unidos que não tem um Sistema Único de Saúde (SUS) que oferece atendimento médico e tratamento de forma gratuita.

- Você poderia ter falado comigo...

- Com alguém me vigiando o dia inteiro? Era impossível, além do mais, o que você poderia fazer?

Nada justifica tirar a vida de outra pessoa, assim como também nenhuma palavra no mundo expressa o desespero absurdo que Elizabeth deve ter sentido. A crueldade de Giovanna não tinha limite. 

Não concordo com a postura que Beggs tomou, isso falando como alguém que vê a situação de fora.

Será que no lugar dela eu faria diferente? - essa dúvida foi o suficiente para influenciar na minha decisão.

- Você tem razão, eu ia demitir você, mas acredito que possamos entrar em um consenso, pelo menos temporário.

- Qual? - Elizabeth enxugava suas lágrimas.

- Seus pais são transferidos para cá e não serão cobrados pelo tratamento. Ficará por minha conta.

- Isso não tem cabimento...por que você faria isso?

- Depois de tudo que a Giovanna fez com você? É o mínimo que posso fazer e sinto muito que ela tenha feito você passar por tudo isso. - suspirei. - Mas você vai passar a desempenhar o mesmo papel que antes, que é o de secretária.

- Eu... - Elizabeth tentou não deixar a emoção transparecer em sua voz. ... não esperava por isso. Eu concordo. Onde assino?

- Nadine vai providenciar os papéis e falar com você para organizar a transferência dos seus pais pra cá. - levantei de minha cadeira e caminhei em direção à porta. - Se cuide, espero que fique tudo bem.

- Obrigada. - Elizabeth levantou os braços fazendo menção de me abraçar quando o som da porta se abrindo desviou nossa atenção.

- Oi am...- era Luiza, chegando mais cedo para nossa reunião.

 

Predestinadas - ValuOnde histórias criam vida. Descubra agora