CAPÍTULO 66

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[POV Valentina Albuquerque]

Como médica, sempre tive curiosidade em saber como meus pacientes que regressavam de um coma se sentiam e agora infelizmente eu tinha uma resposta. Seu corpo simplesmente está completamente letárgico e ao mesmo tempo mais desperto do que nunca quando se está em coma, é como uma luta interna incansável pela vida. Ouvi minha irmã dia após dia, mas era um estado de consciência tão instável que não sabia se era sonho ou vida após a morte, se é que esse último existe.

Meu corpo agora parece muito mais pesado, cada movimento é feito com muito custo. Ainda não acredito que sobrevivi a uma batida tão forte e a um ferimento tão grave. Não foi a escolha mais sábia levantar depois de acordar de um coma induzido, mas se a Lu não sobreviver, o resto não me importará mesmo, então preciso estar de pé por ela.

A caminho daqui, pedi para que Samantha fizesse algo por mim, espero que ela tenha feito, mas sei que não é algo que a deixa confortável, afinal poderia colocar sua carreira em risco. Então eu jamais a forçaria a isso e o que pedi é que ela conseguisse uma seringa com uma dose de adrenalina para que eu tivesse energia para fazer o que precisaria fazer a seguir. Ela deveria colocar no bolso do roupão que eu usava.

- Você aqui de novo, Eduarda? - uma mulher esbravejava como se não tivesse me visto no quarto.

Olhei para o centro do quarto e Luiza estava inerte, com um curativo na área superior do tórax que imagino ser a anastomose temporária de que falaram. Seu rosto não tinha expressão, ela parecia frágil, vulnerável e em perigo.

- Senhora Campos, por favor... - enquanto Duda tentava pedir pelo bom senso da mãe de Luiza, o pai dela adentrou o quarto e imediatamente se colocou ao lado da esposa.

- Nenhuma de vocês tem acesso liberado a esse quarto. - seu olhar se voltou para mim. - Júlio, chame a segurança. Não quero esse tipo de gente perto da nossa filha.

Coloquei as mãos nos bolsos do roupão e no bolso esquerdo estava a seringa que pedi. Respirei fundo e o mais discretamente possível injetei o líquido em minha coxa. 

Quase que instantaneamente, meu coração disparou e uma sensação de pressão no peito se fez presente. A adrenalina - também conhecida como epinefrina - é um hormônio similar ao do estresse e causa uma série de efeitos imediatos e intensos no corpo, dentre eles estão o aumento da frequência cardíaca, aumento da pressão arterial, dilatação das vias aéreas, sensação de alerta e ansiedade e tremores. Esse tipo de medicação só é utilizada em situações de emergência como reações alérgicas graves então em outras condições eu seria contra injetar adrenalina sem indicação pra isso, mas agora se trata da maior emergência da minha vida.

Depois dos efeitos se estabelecerem por completo tudo se tornou muito mais claro, ficar de pé, respirar, tudo era muito mais fácil de fazer, mas meu tempo é limitado e preciso agir.

- Você vai se arrepender disso - Samantha se segurava para não ir para cima dos dois que cercaram Luiza para que sequer a víssemos.

- Finalmente, a segurança! - os mesmos seguranças lá de fora pararam na porta do quarto, agora do lado de dentro. - Tirem elas daqui!

- Primeiro, você precisa abaixar o seu tom pra falar com as pessoas, não sei onde você pensa que está, mas se ninguém te coloca no seu lugar, pode deixar que eu coloco. - me aproximei o suficiente para olhar nos olhos arregalados da mãe de Luiza.

- Você é a vadiazinha que minha filha acha que ama? - se não fosse humanamente impossível, tenho certeza que a essa altura meus olhos já teriam pego fogo.

- A vadiazinha? - me aproximei mais e o marido dela se colocou entre nós. - Eu sou a família dela, coisa que vocês claramente não são, se negam a fazer o único procedimento que pode salvar a vida dela! Vocês só querem dinheiro!

- Chega, você não é bem vinda aqui, é melhor se retirar. - Júlio se impôs de forma que seu corpo se chocou levemente com o meu, me fazendo recuar instintivamente pela fragilidade que já ameaçava me vencer novamente. - A conduta médica de Luiza não cabe a você!

- Ah é? E por que não? - me aproximei dele novamente, o suficiente para olhar em seus olhos. 

- Valentina, vem, você precisa descansar.. - Eduarda me puxava pelo braço.

- Porque você não é nada dela! 

- Por favor, tirem eles daqui e se certifiquem de que não vão conseguir entrar nesse hospital de novo. - olhei furiosa para os seguranças que prontamente me atenderam.

- O quê? Por que estão obedecendo ela? - o segurança os conduzia para fora enquanto a mãe de Luiza esbravejava sem se importar de estar em um hospital.

- Eles estão fazendo o que eu pedi porque a "vadiazinha" aqui é a esposa da sua filha. - pude ouvir todos no quarto prenderem a respiração.

- É mentira! Isso não tem o menor cabimento. - a mãe de Luiza parecia ter visto uma assombração.

- Não que eu me sinta pressionada por dois vigaristas como vocês, mas se quiserem mostro a certidão de casamento. - senti uma pontada na barriga que me alertava do fim do efeito da adrenalina que se aproximava.

- Isso não vai ficar assim! - a mulher se esguelava porta a fora.

- Não mesmo, e me aguardem, porque se for preciso vou caçar vocês no inferno pra fazer vocês pagarem por tudo que fizeram a Lu passar.  Tirem eles daqui! - esbravejei e me voltei para a cama de Luiza no centro do quarto de onde pude finalmente me aproximar.

Ver minha esposa desse jeito parecia o fim. Deslizei com muita cautela uma das mãos sobre a bochecha dela e assim fiquei por alguns segundos. Me inclinei mesmo com a dor absurda que sentia agora e beijei sua testa.

- Sorella.. isso é..

- Eu te amo, princesa e nada de ruim vai te acontecer, prometo. - suspirei com dificuldade. - Vamos explicar tudo com calma pra vocês, mas agora qual o plano pra salvar a Lu?

Duda me olhava surpresa e ao mesmo tempo assustada com tudo que havia acontecido, além da poça de sangue que surgia em meu abdômen agora exposto já que o roupão não estava totalmente fechado.

- Lembra que ela ia fazer um transplante de veia cava e que ninguém nunca fez antes? Essa é nossa única opção: utilizar o experimento que ela mesma desenvolveu para salvar sua vida.

- Sorella, é experimental, Luiza nunca pode testar isso em pacientes reais. É arriscado, pense com muita cautela.

Me desequilibrei e precisei usar a lateral da cama de Luiza para me segurar. A dor voltou e voltou com muito mais força sendo capaz de me deixar tonta. Samantha correu pra me ajudar.

- Se foi a Lu quem desenvolveu essa veia cava sintética e se ela se sentia confortável o suficiente pra operar outra pessoa pra fazer esse procedimento, tenho certeza de que seguro. - senti gosto de ferro na boca, embora as feridas estivessem bem fechadas por fora com os pontos, ainda tinha a cicatrização dos tecidos lesionados, seria difícil. - Eu autorizo a cirurgia de transplante de veia cava pra Luiza, façam isso o quanto antes, por fav...

Minha visão não era mais tão nítida e nem tão clara já que tudo ao redor ficava preto. Samantha me segurava e Eduarda já chamava pela equipe de enfermagem. Minha esposa será operada e seus pais já não são uma ameaça iminente, acho que não tem problema descansar um pouco.

Por mais que tenha tentado, Samantha não conseguiu manter meu corpo longe do chão por muito tempo, assim que senti o chão sob meus joelhos, a falta de ar que senti no acidente se fez presente de novo.

- Valentina!

Predestinadas - ValuOnde histórias criam vida. Descubra agora