CAPÍTULO 27

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[POV Valentina Albuquerque]

- Eu estou fugindo. - Luiza franziu a testa sem entender nada. - Antes de vir pra cá eu estava no John Hopkins e lá era o meu hospital dos sonhos desde a faculdade.

Luiza se ajeitou na cama sem tirar seus olhos dos meus.

- Lá eu conheci uma mulher, ela fazia parte do conselho do hospital. - respirei fundo. - Nos conhecemos, nos tornamos amigas, nos apaixonamos e começamos a namorar. Nosso relacionamento era bem instável, então terminávamos quase toda semana e voltávamos no dia seguinte, até que numa das vezes em que reatamos nos casamos por puro impulso.

- Por quanto tempo foi casada? - Luiza acariciava meus braços enquanto eu falava.

- No geral, durante 5 anos. - respondi depois de pensar um pouco. - Na realidade, eu ainda sou segundo todos os meus documentos, ainda tenho o sobrenome dela. - falar dela era como rasgar um ferimento que acabou de começar a cicatrizar.

- E pelo que entendi, esse assunto te deixa muito desconfortável. Por quê?

- No primeiro ano foi tudo perfeito, ela era um pouco ciumenta, mas estava tudo aparentemente ok. Mas nos anos que se seguiram... - limpei a garganta. - Ela se mostrou como uma pessoa muito tóxica. Controladora. Pra você ter uma ideia ela pegava minha agenda de cirurgias e ia na sala só pra confirmar que eu estava lá e se uma cirurgia demorasse mais do que esperado ela me acusava de estar traindo ela e virava uma guerra.

- Mas que mulher insuportável.

- Ela me torturava de diversas formas, me manipulava e depois de um tempo me agredia fisicamente quando dava na telha. - as lágrimas nos meus olhos tornaram minha visão embaçada momentaneamente. - E era tão pesada a forma que ela me tratava que eu torcia pra sofrer um acidente e não voltar nunca mais pra casa.

- Valentina... - as lágrimas começaram a rolar descontroladamente pelo meu rosto.

- Ela tirou muito de mim, me tinha nas mãos da pior forma. - escondi o rosto nas minhas mãos. - E sim, eu sei que sou maior que ela, provavelmente mais forte e em situações normais totalmente capaz de me defender, mas o abuso que ela fazia não era só físico. Ela entrou na minha mente..

- Eu não sei nem o que dizer. - Luiza me abraçava forte. - Eu sinto muito que tenha passado por situações tão traumáticas, ninguém deveria passar por esse tipo de coisa.

- Não precisa dizer nada. Eu só quis te contar porque depois de meses reunindo forças e coragem, consegui fugir dela, mas acabei também abandonando minha vida lá em Maryland. - tentei recuperar o fôlego. - Com essa coletiva ela vai saber onde estou. E sendo muito sincera, estou apavorada com a ideia de vê-la de novo. Eu não quero viver aquele inferno todo de novo, amor..

- E você não vai, não vou deixar ela te machucar de novo. Eu sei que é muito fácil eu que estou de fora falar... - Luiza segurou meu rosto entre suas mãos e me olhou nos olhos. - Mas você me tem aqui com você. Não vou deixar ela e nem ninguém te fazer mal algum.

- Me perdoa por não ter te contado tudo isso antes principalmente sobre o casamento, mas juro que estou viabilizando o pedido de divórcio.- tentei enxugar minhas lágrimas após respirar fundo.

- Não tem que me pedir perdão e muito menos se justificar. - Luiza começou a acariciar meus braços. - Casamentos são uma formalidade burocrática e dada a situação em que você partiu, é cabível você não ter dado entrada em documentações e etc.

- Obrigada por me entender. - Luiza se mantinha distante tentando dar o espaço que eu realmente precisava agora.

- Valentina - ela se inclinou buscando meu olhar. - Estou aqui pra você. Não importam as circunstâncias, o que precise ser feito, tô aqui.

Os seus olhos agora estavam marejados, me aproximei ainda mais e ainda de frente para Luiza me encolhi em seus braços, escondendo o rosto em seu peito.

- Tive muita sorte de te encontrar. - minha voz saiu abafada.

- E eu me sinto honrada de poder estar aqui com você, fazendo parte da sua vida mesmo depois de tudo que passou. - Luiza acariciava minha bochecha com as costas de sua mão.

- Você foi a primeira pessoa em meses que conseguiu silenciar a minha mente. - me afastei brevemente e beijei a mão de Luiza que acariciava meu rosto. - Quando estou com você parece que até as cores se tornam mais vivas, sabe?

- Isso eu entendo perfeitamente, também me sinto assim. - Luiza suspirou, parecendo se lembrar de alguma situação específica.

- Mas enfim, - minha fala repentina assustou Luiza. - dorme comigo hoje?

- Claro que sim, meu bem. - Luiza forçou um sorriso e rapidamente se ajeitou na cama me puxando consigo.

Após nos enrolarmos nas cobertas e apagarmos as luzes, demos espaço para um silêncio confortável, enquanto trocávamos carícias e brincávamos uma com a mão da outra.

Sempre que pensava no que Giovanna, minha ex, havia feito, eu brigava comigo mesma por não ter percebido os sinais, não admitia que sendo médica, uma cirurgiã que atendia mulheres vítimas de violência o tempo todo, não tivesse tido a percepção e força necessária para não me sujeitar a isso. Sequer consegui pedir ajuda.

A verdade por trás disso tudo é que quem vive o relacionamento abusivo dificilmente percebe logo de cara ou se percebe se convence de que tá tudo bem e quando vai ver já está presa no ciclo da violência.

Agora já passa das 3h da manhã, Luiza já dormiu há algum tempo e só consigo encarar o teto pensando em quanto tempo vai levar até Giovanna me encontrar de novo.


Predestinadas - ValuOnde histórias criam vida. Descubra agora