CAPÍTULO 5

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[POV Valentina Albuquerque]

Que dia, que noite, que...MULHER!

Não, era mesmo uma mulher no mundo da lua na frente do meu carro. Freei bruscamente e buzinei.

Claro que é ela, quer dizer, ainda bem que é ELA...

-Por favor, não olhe para o estado caótico do meu carro, não tive temp.. -por que estava me justificando tanto pela bagunça no MEU carro para a minha chefe?

-Você não precisa se justificar pra mim, não estamos no trabalho, não precisamos de formalidades aqui. - ela sorriu replicando a resposta que acabei de dar sobre ela me chamar formalmente.

-Certo, para onde devo ir? - a olhei nos olhos esperando uma resposta e vi sua boca tentar formar as palavras, mas ela simplesmente estava paralisada.

-Central Park, moro de frente pra ele.

-Deve ter uma vista e tanto -comentei agradavelmente.

-É... - sua voz saiu hesitante.

-O que foi? - a encarei assim que paramos em um semáforo.

-Nada..- ela respirou fundo como se com aquele ato buscasse clareza para seus pensamentos. -Você não acha no mínimo curioso a gente ter lutado e se enfrentado daquela forma, e agora sermos cirurgiãs no mesmo hospital?

-Precisa ser estranho? - voltamos a andar.

Onde ela quer chegar com essas indagações?

-Não que precise ser, mas é que... -ela suspirou decidindo que não diria mais nada. -Esquece.

Sua respiração estava nitidamente mais pesada, já que mesmo com a chuva lá fora que agora era um sereno podia ouvir o som dela.

Toda segurança que ela passava de si mais cedo parecia ter sumido. E a minha também. Não entendo e nem sei se faço questão de entender os efeitos bizarros que Campos tem tido sobre mim desde a luta de ontem.

A luta sempre foi como meu respirar durante minha vida inteira, é o que eu levo tão a sério quanto fazer cirurgias e salvar vidas. Nos treinos sempre dei tudo de mim, nas lutas mais ainda e sempre me destaquei sobretudo por minha disciplina, foco e habilidade de ler a oponente.

Mas desde ontem não me reconheço mais, ela nem precisou tocar em mim para abalar minha estrutura.

Quem ganhou a luta foi ela. Nocaute.

-Você não pode começar a falar algo importante e parar de repente...

-Como sabe que é importante? - Luiza me olhava curiosa.

Chegamos em frente a sua casa onde parei o carro e desliguei o motor.

-Só sendo algo muito importante pra você escolher as palavras a dedo antes de falar. - sorri gentilmente. -Não há nada demais em termos lutado e agora trabalharmos junt... - quando me virei um pouco no banco para olhar em seus olhos a flagrei olhando para minha boca como se quisesse tomá-la para si. Confesso que a ideia não me parecia ruim.

-Você é uma sabe-tudo. Sabe o que pensam sobre pessoas sabe-tudo?

-Não é óbvio? Pensam que sei de tudo, mas n.... - Luiza não deixou que eu concluísse o raciocínio.

Ela simplesmente segurou meu queixo entre seus dedos e puxou meus lábios para perto dos seus. Antes que pudesse efetivamente tocá-los com os seus lábios, seus olhos procuraram os meus.

Tenho certeza que o beijo aconteceu primeiro ali, seus olhos vidrados nos meus eram profundos, consumindo-me fazendo total jus a tal profundidade.

Seu hálito fresco me atingiu ao passo em que sua boca se abria lentamente procurando encaixe na minha.

Olhei para sua boca milésimos de segundos antes de fechar os olhos e simplesmente deixar o momento seguir seu curso.

Ela é sua chefe. C-H-E-F-E! Maldita consciência.

O grito interno que dei me assustou o suficiente para me afastar de Campos.

-Você é minha...- respirei fundo pra recobrar a sanidade que ela me tirou. - ...chefe. Isso é inapropriado.

-Você tem razão. Não sei onde estava com a cabeça. -Luiza não me olhava mais nos olhos, só pegou sua bolsa e abriu a porta do carro. -Não vai mais acontecer.

Eu não queria que acabasse antes de começar. Por que preciso de uma consciência mesmo?

-Luiza...-tentei segurá-la pela mão, mas ela já estava fora do carro.

-Obrigada pela carona, senhorita Albuquerque.

Já em casa e após um longo e relaxante banho, tentar dormir era a melhor solução para tentar assimilar o dia de hoje. Imediatamente após o quase beijo com Campos, me arrependi de tê-la parado. Eu queria aquilo tanto quanto ela.

Moro no Four Seasons Hotel, bem no centro da cidade, embora pretenda ficar aqui por mais um semestre pelo menos, essa estadia é provisória, já que procuro uma casa legal para me estabelecer em Nova Iorque.

Confesso que é difícil pensar em sair daqui, estou num apartamento muito bonito, bem decorado e confortável. Com uma cama enorme e macia no centro do quarto e uma vista panorâmica de tirar o fôlego do centro de Nova Iorque, é possível ver até o hospital daqui. Além de ser em local estratégico, o hotel conta com uma piscina aquecida, no meu quarto tenho acesso a um lounge aconchegante e tenho aqui uma casa completa.

Escorreguei para baixo da coberta branca e macia e apaguei a luz do abajur.

Meu apartamento é integrado com um sistema de automação que me permite criar várias rotinas e sequências de ações que podem ser ativadas por comando de voz ou gestos.

-Bom dia, Valentina! - a voz neural artificial feminina falava enquanto abria as persianas blackout fazendo a luz entrar totalmente no quarto. -São 7 horas da manhã, fazem 16°C e a previsão do dia é de baixas temperaturas acompanhadas de leves chuvas.

Me levantei enquanto ela me atualizava do clima, ainda na cama, mas agora sentada, me alonguei como de praste. Hoje tenho treino após o turno.

Luiza. Quase beijo. Ela é minha chefe.

-Por um segundo havia me esquecido. - pensei em voz alta. -Devo iniciar a rotina da manhã, senhorita Albuquerque?

-Sim. - respondi.

-Iniciando rotina da manhã. - R&B começou a tocar em volume agradável pelo apartamento. O aspirador robô se desconectou de sua base de carregamento e começou a limpar o chão.

Era possível ouvir a banheira começando a encher enquanto eu separava minha roupa e mala de treino.

-Seu banho está pronto. - a inteligência artificial que carinhosamente apelidei de Frida avisou.

-Obrigada, Frida. - e segui direto para o banheiro. Felizmente não preciso me dar ao trabalho de tirar a roupa, já que durmo somente de calcinha.

Esperei muito por essa liberdade. Sorri após esse pensamento.

O banho parecia estar ainda mais energizante hoje, me fazendo sair quase dando mortais pela casa.

Ao passar pelo sensor de presença da porta do banheiro, a luz do mesmo se apagou, dando início a outra rotina.

-Hoje você tem treino de boxe, não esqueça seus suplementos e água. - Frida me avisou. -Seu café está pronto e antes de brigar comigo novamente, está sem açúcar.

-Já pedi desculpas, Frida. - ri enquanto terminava de vestir meu terninho branco e seguia para a cozinha.

-Entendido. Posso encerrar a rotina da manhã?

-Por favor. - eu falava com uma máquina. Era o cúmulo da solidão.

Enquanto a música cessava, o aspirador robô voltava para sua base de carregamento após deixar o chão impecável e todo o apartamento silenciava, calcei meus sapatos sociais que combinavam com o terno.

Peguei meu café na bancada e tudo o que precisarei no dia e segui para o elevador que ficava exatamente de frente com a porta do meu apartamento. Apertei P1 rumo ao estacionamento.


Predestinadas - ValuOnde histórias criam vida. Descubra agora