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Dois dias depois, sábado.

— Toma, está tudo aí — apanho e analiso o cheque em minhas mãos. É pouco, mas o suficiente para pagar as contas, meu irmão está cuidando da maioria, ele tem uma pequena empresa no México que gera lucros o suficiente para uma renda, até conseguir um emprego aqui em Ghost town, estamos dividindo as contas, isso foi um alívio bom nas despesas, devo assumir — Srta Garden, devo dizer o quanto seu novo estilo lhe favoreceu, está mais... bonita que o normal. Posso lhe levar para tomar uma cerveja, para comemorar a repaginada?! — sua mão desliza para minha bunda e imediatamente dou um passo para trás.

— estou ocupada esta noite, mas obrigado pelo convite. Até segunda! — pego minha bolsa e dou o fora mais rápido que posso, sentindo seu olhar irado me furar. Já me é comum essas coisas, mas não deixa de ser horrível. Ofego com vontade de chorar, balanço a cabeça afastando as lágrimas.

Enfio o cheque em minha bolsa de qualquer forma, afastando a porta dupla, cruzando o limite da loja, sendo atingida pelo ar fresco da noite, são cerca de 22:00 horas, a rua está deserta. Inclino a cabeça para trás suspirando fundo, sentindo o cheiro de tabaco e cinzas preencher minhas narinas. Abro os olhos percebendo que há mais alguém aqui, sinto sua presença. Olho para todos os lados sem encontrar ninguém à vista, dou um passo à frente analisando o cruzamento da rua, que se dispersa em um beco largo e escuro. Ando em direção ao meu ponto de ônibus que fica à uma quadra daqui, caminhando cuidadosamente pelo beco, escutando barulhos na caçamba de lixo, que mexe e eu grudo-me na parede, sem conseguir me mexer até ver o que tem lá atrás. Os sons de coisas mexendo me apavoram, não sei o que pode sair de lá. Eu estou sozinha, não vou conseguir fugir de um lunático...seguro o grito preso em minha garganta, quando um gato preto pula para fora, em um gesto repentino.

— aí meu Deus — apoio-me em meus joelhos aliviada, era só um gato — ah, ok. Só um gatinho, tão assustado quanto eu, não um velho nojento e tarado.

Respiro fundo acelerando meus passos pelo beco vazio e escuro, meu olfato me sabota, sinto o cheiro de cigarro, o mesmo cheiro de tabaco que senti na porta do meu trabalho, sei que já senti o cheiro alguma vez, não me lembro onde, nem quando.

Passos, eu posso os ouvir, paraliso e os mesmos param também. Olho para meus pés, sou eu? Dou um mais um passo e a mesma intensidade ecoa pelo beco, como se algo muito mais pesado andasse comigo. Olho por cima dos ombros vendo o beco completamente vazio e a luz distante da rua onde eu passei, iluminando a entrada vazia...

— procurando o quê? — um sussurro soa em meu ouvido.

— aaaaaaaaah — grito em desespero e ouço uma risada sincera, acompanhada por uma tosse sútil brotar no beco. Respiro desesperada, focando meus olhos à frente no homem alto e com a porra do cigarro nos dedos — porra, Hayden! — ofego brava — o que faz aqui caralho? Você me assustou! — seus olhos azuis dão uma risada silenciosa — para de rir, babaca!

— uma dúvida; se você sentiu minha presença e o cheiro disso — balança o cigarro — por que entrou em um beco vazio? Burra, poderia estar bem...ferrada agora — olho-o incrédula. Ele jura?

— vá se ferrar! — ele sorri de canto se inclinando e me dando um selinho — o que faz aqui? Acabou de sair do plantão? — reparo que ele ainda está de uniforme. Lindo.

— sim, vim lhe buscar. Queria te ver, ainda hoje — entrelaça nossos dedos me guindo para seu carro.

— hum...devo me sentir especial? — provoco e ele me olha em humor.

— Sempre. Inclusive, a quem devo agredir? Você me pareceu nada bem ao sair, o que houve? — olho para o chão.

— nada, só cansaço mesmo — ele cerra os olhos azuis e completamente sonolentos — Inclusive, você está acabado, não dorme há quanto tempo? — ele arqueia a sobrancelha.

Silênt nigthOnde histórias criam vida. Descubra agora