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Encaro às janelas da rua em uma breve análise de lá de fora, à noite está fria, não somente um pouco, muito pelo visto. Aqui dentro do carro está tranquilo, pois tem aquecedor, mas lá fora cai flocos de neve por toda parte, forrando o chão com seu branco clarinho, que colide com o escuro da noite.

Estou começando a me arrepender de não ter vindo com roupa para o frio, preferia um moletom à um vestido, ou melhor, preferia não ter vindo.

Estou receosa sobre este jantar, não sei se irei me sair bem, não sou boa em manter a classe. Mordo a ponta do meu polegar apreensiva, me sentindo um pouco enjoada. Sua mão adentra a brecha entre minhas pernas cruzadas e acaricia o lado de fora da minha coxa, com o polegar.

— O que foi? Você está tão quieta — pergunta. Olho-o dirigindo tranquilo, focado à frente, com um braço escorado no relevo da janela.

— só estou pensativa — declaro.

— sobre? — suspiro.

— talvez seja sobre eu estar indo para simplesmente o encontro mais importante de médicos da cidade? — me olha rapidamente — sei lá, não é tão fácil entender como eu me meti nisso, sou uma intrusa.

— Não é uma intrusa, está como minha acompanhante, uma bem gata inclusive — sorri de canto, tímida — eles são iguais à mim, mais gentis na verdade. Se deu conta de mim, eles serão fichinha — diz calmo, acariciando minha perna. Assinto. Ok, dei conta de um, dou conta dos outros também.

Ele estaciona frente ao grande casarão, com seguranças na porta e um homem de terno para recepcionar. Olho um pouco apavorada, mas ele não abre as portas, ainda não.

— podemos ir quando você estiver bem, se quiser desistir, levarei você de volta para casa — acaricia minha bochecha com delicadeza, para não borrar a maquiagem.

— E perder a experiência de falar com cirurgiões renomados, sem ser num bloco cirúrgico morrendo? Não, que isso — brinco um pouco nervosa.

— de fato é melhor assim — assinto — você vai se sair bem, gatinha! — segura minha mão depositando um beijo, como naqueles filmes românticos. Coro no mesmo instante e ele me dá um último olhar, acompanhado por um fundo de diversão ao reparar minha vergonha e nervosismo. Sem dizer nada, ele sai do carro dando a volta, abre a porta para mim e no mesmo segundo o frio percorre minha espinha. Seguro sua mão como impulso e me pranto ao seu lado.  Concerto o vestido, endireito a postura e respiro fundo — vamos? — entrelaça nossos dedos.

— vamos! — concordo e seguimos para dentro do local.

— boa noite! — o homem que abre a porta diz.

— boa noite! — falamos em uníssono e ele sorri. O corredor é enfeitado por um grande tapete vermelho, lustres cristalizados e arranjos de rosas vermelhas, em harmônia — onde estamos?

— Casa da Gennevive Lestrange, nossa anfitriã. Ela adora dar festas e ela quem me treinou inclusive — arquei a sobrancelha.

— sério? — ele assente.

— meu estágio foi com ela, nos demos bem meio que de cara. Ela era tão rancorosa quanto eu no horário de trabalho, educada, mas muito séria. Até que à hora do intervalo chegou, fui para o terraço, lá a encontrei fumando — ouço com atenção — ela me chamou para fumar também, sentamos no parapeito e ela perguntou o que eu havia achado dos médicos, eu tinha odiado eles, mas não iria falar. Porém, ela chutou a cabeça para trás e disse:

— eu odeio esses putos do inferno, por mim que entrem tudo no cú um do outro e vire um Megazord. Que todo maldito dia que eles acordarem, bata o dedinho na quina da cama. Eu tenho vontade de agredir! — viro-me quando ouço uma voz falando juntamente com ele, vindo de trás. Vejo a mulher de aproximadamente uns cinquenta anos, seus cabelos cacheados vão até a bunda, vestido vermelho até os pés e um sorriso muito bonito — não costumo agredir ninguém, pelo menos não sempre — pisca e eu sorri.

Silênt nigthOnde histórias criam vida. Descubra agora