1 - O Contrato.

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- Advocacia, bom dia! - Eu disse automaticamente, olhando para a TV enquanto aguardo a resposta do outro lado da  linha.

-Flor, seu pai está aí? Preciso saber se posso indicar um serviço para ele. - A voz aguda de  mulher passou  a me ser conhecida. Eu já sabia exatamente quem era, mesmo sem que ela dissesse seu nome.

Passei para o meu pai e disse que era a Michele, do Espaço das Américas, então ele atendeu. Ele balançava a cabeça e concordava. Eu continuava a escrever um Recurso que estava perto do seu prazo final.

- Mas... pode ser a Júlia?

Eu olhei pra ele meio assustada, e depois do que pareciam instruções, ele desligou e se virou pra mim:

- Filha, a Michele nos indicou para fazer um contrato para o Espaço das Américas com um novo contratado, um cantor, não sei dizer o que aconteceu com o advogado deles, e como ele e a equipe falam inglês, era melhor que você fosse no meu lugar. 

Como assim? Eu advogada recém formada ia fazer um contrato desse porte sozinha? Meu pai só podia estar brincando comigo. Eu estava literalmente em pânico. 

Bom, de qualquer forma não poderia recusar.

- Tudo o que você ganhar lá, é seu. - Ele disse despreocupado, quando arrumava a cadeira perto da  televisão, ele costumava sentar nela com o encosto voltado para o seu peito,  e então ficava parecendo uma criança concentrada com a mão em cima do encosto e  a cabeça apoiada nas mãos.

E com um incentivo desses, eu não estava em condição de dispensar nenhum tostão. Divorciada, com duas filhas, quer mais problema que isso? Eu precisava de dinheiro rápido, trabalho extra ou qualquer coisa que pudesse me ajudar a ter uma grana a mais no final do mês.

Cheguei em casa já contando a novidade para minha mãe.

- Mãe, eu estou com tanto medo de fazer alguma coisa errado, mas por outro lado eu preciso desse dinheiro... eles devem pagar bem. Eu não sei o que fazer. - Eu me sentei á mesa, apoiando a cabeça por cima das mãos.

- Filha, mas como você vai aprender se você não fizer? - Ela estava lavando a louça e se voltou para mim esperando uma resposta - Seu pai sempre fala que você é boa, vai sim e mostra para todo mundo do que você é capaz.

Além da  confiança que minha mãe tentou me passar, ela ainda fez mais uma vez seu  monologo sobre meu pai passando todo a estrutura de um escritório de advocacia para mim um dia, sobre  eu começando melhor que ele, uma vez que eu tinha alguém na  mesmo área para me apoiar e  ele começou do zero e que mais cedo ou mais tarde, eu ia ficar no escritório sozinha. Precisava fazer isso. Era mais que necessário, era quase que um legado.

No dia seguinte, no escritório, logo pela manhã, entre os afazeres rotineiros e  diários, estava abrir a caixa de e-mail e lá estava um que me chamou a atenção:

"Prezada Dra. Júlia, Bom Dia.

A Michele, que detém os direitos de comodato do bar no Espaço das Américas nos indicou seu escritório para redigir um contrato.

O requisito é ter fluência em inglês, pois nosso contratante é literalmente inglês.

Caso haja interesse nos retorne até ás 16h00.

Estimativa de honorários R$ 5.000,00.

Att."

Como assim? Tudo isso para fazer um contrato? Nunca ganhei isso de uma vez só. Eu teria que trabalhar pelo menos, com sorte, dois meses para ganhar isso. De repente, o medo foi embora e eu só pensava em responder:

"Prezado Sr. Afonso, Bom Dia!

Possuo o requisito de inglês e estou disponível."

- Olha, vou economizar uns meses de salário ai! - Meu pai leu o e-mail por trás de mim, sem que eu tivesse visto.

- Ah, nada a ver.... - Eu me virei - Como eu fico rica assim? É trabalho extra... E quem paga o restaurante japonês?

- Nada a ver? Nada a ver se a gente trocar isso ai.

- Pai, você passou, não tem troca. - Eu disse rindo.

A campainha tocou indicando que tinha cliente na sala de espera.

- Já que não vamos trocar, vou trabalhar né?

Eu continuei rindo e olhei pro PC, só pensava que ia entrar um dinheiro extra, ia dar pra pagar as contas, guardar um pouco e se duvidar ainda dava pra levar as meninas pra passear. Ana e Catarina tinham cinco e um ano e nove meses, respectivamente, me casei aos dezenove, acreditava em amor e essas coisas, mas entre idas e vindas, acabamos por ficar separados mesmo.

Alerta de novo e-mail:

"Tudo certo.

Quarta-feira ás 10h00 na entrada principal da casa. Se identifique que alguém a levará a sala de reuniões.

Passe sua conta para pagamento."

Uma das coisas que mais faziam meus olhos brilharem ultimamente era dinheiro, não que eu fosse materialista, mas meu ultimo "relacionamento" amoroso havia me deixado em frangalhos e a única coisa que eu pensava era: "Começar a nova temporada da minha vida onde eu gasto dinheiro sem me preocupar com o amanhã". E afinal apesar dos meus vinte e cinco anos, eu já tinha duas responsabilidades bem vivas pra dar conta.

Quarta-feira. 

Levei as meninas para a escola e nem enrolei muito, sabia que da minha casa até a Barra Funda eram trinta minutos pela Marginal Tietê mas não sabia do trânsito e eu precisava me arrumar.

Vesti uma blusa branca com uns bordados na manga, uma saia preta e um sapato com salto não muito alto, precisava parecer uma advogada séria, competente, então essa foi a roupa que me veio na cabeça. Fiz uma maquiagem nude, mas caprichei nos olhos. Eu adoro meus olhos, não entendo o porquê, mas na verdade eu gosto de olhos, não só os meus, mas de todo mundo, eles dizem tudo sobre uma pessoa. Parecia tudo ótimo para uma advogada. Sai.

Trânsito, trânsito e mais trânsito... mas enfim, cheguei. Fiz o combinado: me identifiquei no portão principal e fui conduzida para a sala de reuniões, já conhecia a casa de um outro show que havia ido e nós sempre fazíamos contrato pra eles, mas meu pai sempre ia junto  comigo, todos os negócios eram tratados com ele.

Entrei em uma sala com parede e móveis em tom pastel, uma grande mesa redonda e várias cadeiras em volta. Como só eu estava lá, eu escolhi a mais fácil, perto da porta.

Esperei sozinha. Depois de dez minutos a porta abriu. Entrou em cara alto e careca, meio gordinho.

- Oi, eu sou Stuart Camp, sou o empresário que vai revisar o contrato.

Eu sorri e estendi a mão, o cumprimentando.

- Oi Sr. Camp, meu nome é Júlia, eu sou a advogada que vai redigir o contrato.

Fiquei olhando ele se sentar e logo depois entrou o Afonso, dono do Espaço das Américas.

-E ai Ju, beleza?

Cumprimentei ele com um beijo no rosto, nós já nos conhecíamos pois ele e meu pai trabalhavam juntos desde quando eu era pequena e o Stuart ficou bem surpreso com nossa intimidade.

- Seu pai me disse que você sabe como amarrar um contrato... Não fala isso pro grandalhão aí!

Eu sorri e Afonso se sentou ao meu lado.

Stuart mexia no celular e eu conversava com o Afonso sobre os shows que a casa iria receber, quando de repente Stuart diz:

-Hey!

Não posso negar que me assustei, olhei pra porta com o olho arregalado e tentando respirar pausadamente, então vi alguém entrando na sala e estendendo a mão:

- Oi, eu sou Ed Sheeran!

Photograph - Memórias Vazias [Ed Sheeran] !REVISANDO!Onde histórias criam vida. Descubra agora