59 - O Boné.

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- Ricardo? O que você está fazendo aqui?

- Esse meliante está te incomodando Doutora? - O carcereiro perguntou.

- Não. Eu conheço ele. Está tudo bem.

Eu fiquei parada olhando para ele. Ele estava com o cabelo curto, bem cortado, minha mente não se lembrava mais do rosto dele, mas meu coração sim, meu coração se lembrava de todas as sensações que eu tive com ele.

- Você pode me ajudar? - Ricardo não segurava mais a minha mão, mas meu coração ainda estava acelerado.

- Vou ver o que eu posso fazer.

Fui novamente à Delegada e pedi para ver o boletim de ocorrência do Ricardo. No histórico estava escrito que ele voltava do basquete com outros dois amigos e ao ser parado para revista, aparentemente havia desacatado um policial.

- Olha, Doutora podemos arbitrar uma fiança? Veja bem, o réu é primário, não tem maus antecedentes. - Eu me dirigi a Delegada, mas sabia que não seria fácil.

- Doutora, esse crime é inafiançavel. Somente posso fazer alguma coisa se o Policial desacatado retirar a queixa.

A Delegada chamou o policial e este, depois de muita insistência, concordou em retirar a queixa.

- Tudo bem Doutora. - A Delegada respondeu - Sobre a fiança, pode ser de três salários mínimos?

- Tudo bem.

Voltei ao Ricardo com a documentação para que ele assinasse.

- Vai ficar tudo bem, já já te tiro daqui.

Fui a sala da Delegada e entreguei o documento, emiti a guia pelo celular, fiz o pagamento on-line e mandei os comprovantes por e-mail. Então em quinze minutos, foi expedido o alvará de soltura do Ricardo.

Douglas, o cliente que havia motivado minha visita a Delegacia, me explicou que havia dado o dinheiro para os policiais e então eu entendi o porquê soltaram ele tão rápido, foi porque o dinheiro havia sumido, então a materialidade para o crime de corrupção ativa não existia mais.

Douglas ficou de transferir meus honorários e pegou um táxi.

- Quer que eu te leve em casa? Você sabe pelo menos onde você está?

- Não. - Ele riu - Eu não faço ideia de como voltar para casa.

- Entra aí. Eu te levo.

Os primeiros cinco minutos foram de um silêncio gritante, até que ele tomou coragem e puxou papo.

- E você está bem?

- Sério?

- Sério. - Ele riu.

- Agora eu estou bem. Já estive pior.

- Por que?

- Mano... - Eu estava ficando irritada - É sério isso mesmo?

- E por que não seria sério? Não sei se você se lembra, mas foi você quem terminou comigo.

- Não sei se você se lembra, mas eu não terminei com você, eu só disse que uma pessoa inteira não merecia uma pessoa pela metade. Aliás, eu não poderia terminar algo que nunca existiu.

- Eu sempre deixei claro que gostava de você.

- Com atitudes não. Você sempre deixou claro que gostava que eu gostasse de você, é diferente.

- O que você quer dizer? Que eu não gostava de você? Que eu te iludi?

Era exatamente isso que eu queria dizer, mas eu não conseguia conversar com ele pessoalmente, era difícil. Não falei nada e ficamos em silêncio durante um bom tempo, eu ainda lembrava o caminho da casa dele, o que me ajudou bastante.

Quando já estávamos na Estrada de Itapecerica, ele puxou assunto novamente.

- Não era minha intenção te fazer se sentir assim. Eu só queria fazer as coisas devagar.

- Quatro anos?

Desta vez ele foi quem se calou.

Não falamos mais nada até chegar na casa dele. Parei em frente à casa dele e não desliguei o motor do carro.

- Pronto, está entregue.

- Obrigado. Eu vou te pagar viu? É só você me dizer quanto, que eu providencio.

- Não foi nada não.

- Eu só queria te dizer que eu sinto muito, mesmo, por qualquer coisa que eu tenha feito.

- Deixa para lá. - Eu virei para frente e engatei a primeira marcha.

- Tudo bem, eu... Já vou. Obrigado mais uma vez.

Eu não sei dizer o que eu senti. Não era amor, não era gostar, não era raiva, não era ódio, tinha mais á ver com um tipo de incômodo que custou à passar. Dirigi por mais de uma hora até em casa e ao chegar, tomei um banho e arrumei as crianças na cama.

Haviam três mensagens e duas ligações perdidas.

Ed: Já acabei. Já te ligo.

Ed: Te liguei e você não atendeu. Espero que seu trabalho tenha dado certo.

Ed: Te liguei de novo. Tenho entrevista logo cedo. Preciso ir dormir. Me liga quando chegar.

Eu não ía ligar não é? Fui dormir.

No dia seguinte, como sempre, levei as crianças à escola. Como Ed estava na entrevista, decidi não ligar, nem mandar mensagens. Fui trabalhar.

Estava fazendo uma petição quando meu celular apitou.

"Deve ser o Ed." - Pensei.

Quando desbloqueei a tela, vi que era o Ricardo me chamando pelo Facebook.

Ricardo: Oi, estou com seu dinheiro. Você poderia me trazer o boné que ficou com você? Foi presente da minha mãe, queria de volta. Você pode trazer aqui em casa?

Photograph - Memórias Vazias [Ed Sheeran] !REVISANDO!Onde histórias criam vida. Descubra agora