Capítulo 33

81 19 11
                                        




    Dërhon levanta a cabeça ao sentir sua presença e ela corre o olhar em torno do escritório com certa nostalgia. Não fazia seis meses, mas já parecia ter passado uma eternidade desde que esteve ali pela última vez. Muita água já havia rolado desde então, mas ela se ouviu dizer;

— Eu não precisava ter aceitado, nada. Sabe, eu, não fui transformada eu, sou, eu sou o que sou. Quero dizer, eu, teria passado pela transição em mais alguns anos de qualquer forma, então...

— Eu não consigo tirar você da minha cabeça K, como você mesma me disse na enfermaria, não se manda no coração...

— Você não está. Dërhon, não. Não diga isso, está bem? Só está com medo. Eu sei bem como é, vai por mim.

— Falou a doutora do amor.

— Dërhon, não faz assim. Esse sarcasmo não combina com você.

— Você pensa que me conhece, Kade, mas não conhece. Agora eu sim, conheço você. Cada pedaço do seu corpo antigo e do novo, cada gesto e o perfume que exala de você. Vejo você até de olhos fechados e nunca, nunca seria capaz de te ferir, merda. Eu chorei por você, te alimentei com aquelas coisas, estranhas, e até comi também! Eu seria capaz de dar a minha vida por você!

— Dërhon, eu, eu sinto, eu sinto muito, mas você...

— É, eu sei o quanto você sente... Enquanto ainda me resta um fiapo de dignidade, será que pode fazer a gentileza de dizer o que realmente quer aqui, e dar o fora?

— Claro eu, eu, acho que era isso. Eu...

    Ela aponta a porta, mas ele já estava com o olhar cravado na tela do computador e foi inevitável não dar uma espiadinha pelos seus olhos. Então ela volta e desliza com violência uma lista na sua direção por cima da mesa e olha bem dentro dos seus olhos azuis claros.

— Câmera E16a. Tem lá a imagem que devia ser mais interessante do que ficar bisbilhotando o sexo alheio.

— Cada um com a sua perversão, certo?

    Kassia respira fundo e aponta com o queixo para a lista;

— Se não estiver ao seu alcance providenciar o que preciso, é só mandar Ores me avisar.

    Kassia desaparece e ele recosta na cadeira com o braço por cima dos olhos fechados a fazer sua auditoria mental: Poucos minutos antes dela entrar, ele estava a mais de 20 malditos minutos olhando as imagens da câmera E16a, por míseros 20 segundos no quarto que estava servindo de consultório e onde ele a viu 'chorando' abraçada ao jovem guerreiro!

    Aí ela aparece e blá, blá, blá, e pela porra de um toque errado ele olha a tela no momento da sacanagem dela com Zarcon. Para fugir do seu olhar, para não... PENSAR!

    Dërhon amassa a lista com vontade e arremessa longe. Não satisfeito ele soca o teclado partindo-o em dois e desliga os monitores. Levanta e levanta a mesa junto espatifando tudo no chão. Dois dos seus mais modernos monitores explodem e ele desaparece dali rumo à academia interna para queimar um pouco da raiva que estava sentindo, antes que destruísse mais alguma coisa.

    E ele teria companhia.

    Ele sobe na esteira ao lado e por mera curiosidade fita de soslaio o monitor vizinho. Intensidade máxima, 180 minutos corridos, ele mexe no seu monitor a programá-lo na mesma intensidade e se põe a correr.

    40 minutos depois Trevon ainda corre no mesmo ritmo e Dërhon não admitiria que já pensasse em por os bofes pra fora, nem para si mesmo, mas Trevon diminui a intensidade da sua esteira, se por solidariedade ou porque já havia queimado o que queria, ele não sabia, mas manteve o seu ritmo intenso com a necessidade instintiva de igualar o placar.

Vale dos AehmonsOnde histórias criam vida. Descubra agora