Capítulo 36

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    Dërhon sela o pulso oferecido com sua saliva e move a destra totalmente restabelecida abraçando-a apertado contra o peito por um instante. Enquanto ela o curava e se alimentava dela pôde sentir todo o amor que ela sentia pelo seu irmão, e o quanto estava sofrendo por conta da sua morte. Essa não era uma história de agora, ela era a Valquíria que Xstrauss levou com ele para casa a milênios de anos atrás, e isso estava dando um nó na sua cabeça.

    Aehmons não reencarnavam. Reencarnavam?

— Não da mesma maneira que os humanos. — ela sussurrou contra o seu peito.

— A nossa estrutura é compactada pouco antes da nossa destruição total e inserida em um ventre receptivo por um ser superior ou retorna ao doador de origem, que, ao que parece, de agora em diante serei eu. Ao menos dos que descendem de Elijáhrm, que também está em mim.

    Kassia o beija no rosto demoradamente e se afasta um pouco a ficar de cabeça baixa e algumas lágrimas respingam.

— Eu não posso punir a Sara pelo que ela fez com você.

— E eu estou realmente aliviado e orgulhoso de você por conta disso.

    Dërhon seca suas lágrimas com as costas dos dedos e ela deita o rosto na sua mão. Ele grunhe mostrando de leve as presas e a empurra na direção oposta a do perigo pressentido e se põe entre ela e Jarel a silvar ameaçador para o anjo em posição de ataque.

    Kassia sacode a cabeça e desaparece materializando-se ao lado de Dërhon que logo a põe atrás de si e Jarel cruza os braços sobre o peito largo com cara de enfado;

— Tocante.

— Ele já teria me matado se quisesse, Dërhon. Isso já está ficando cansativo.

    Dërhon estuda um e o outro com desconfiança e Jarel arqueia as sobrancelhas negras desafiando-o;

— Vai tentar fazer o que seus ancestrais foram criados para fazer?

— Não. — ela o puxa a se interpor entre os dois e encara Jarel com censura.

— São novos os tempos agora e, — ela se vira para Dërhon a encará-lo com expressão de súplica apontando Jarel — ele caiu no ímpeto de me defender da maldita, ele gosta de mim, de nós, e está confuso por conta disso. Ele não vai me ferir, estaria em seu direito, mas não faz parte da sua índole. Por favor, Dërhon. Uma nova era é chegada pra todos nós, tente conter-se. Por mim, por nós? Por favor.

    Dërhon dá um passo atrás e encara Jarel ainda com presas à mostra e se recompõe em seguida, mas mantém a expressão séria.

— Eu não mato se não for para defender aos meus ou a mim mesmo. — ele olha Kassia com expressão suavizada e seu sorriso alcança os olhos — Você tem a tendência de fazer os amigos mais estranhos, não é?

    Kassia sorri de leve a morder o lábio inferior excitando-o sem querer;

— São meus olhos, eu acho.

    Jarel sorri e abaixa a cabeça de leve a fitá-la pelos cílios;

— E você soube tudo isso ao meu respeito com um único beijo. Estou mesmo impressionado.

— Não provoque Jarel, eu sei como fazer para devolver as suas asas e ainda estou tentada em te prestar esse favor. Muito tentada, na verdade.

— Você, você beijou ele?

— É, ela me beijou e gostou do meu gosto 'pra caramba' como ela disse.

    Dërhon faz uma cara de nojo e Kassia sorri intimamente conectada com ele mentalmente.

— E quase provocamos um tsunami que cobriria todo o Estado do Rio de Janeiro e Estados vizinhos por conta disso, então não acho que vai acontecer de novo. Mas o gosto dele é mesmo muito bom, não vou negar.

— Seus gostos sempre foram duvidáveis, mas dessa vez você se superou, sabia? O cara fede a flores do campo!

— Ah qual é garoto? Eu tomei banho e usei um daqueles xampus com cheiro de flores que tinha lá no banheiro. Precisava ter sentido o cheiro de enxofre que eu estava antes quando ela me beijou e tomou a minha chave.

— Não tomei nada. Ela entrou em mim porque quis e você sabe tão bem quanto eu o que tem que ser feito para tê-la de volta.

    Jarel fica sério no mesmo instante e Kassia estuda a um e ao outro antes de informá-los que vai descer para ver como estão seus bebês. Alguns segundos depois Dërhon pigarreia e faz uma careta.

— O gosto do beijo dela é bom?

— Foi meu primeiro beijo e foi muito bom, eu cheguei a sair de mim por um instante e fiquei excitado, muito excitado.

    Jarel se encaminha para a cama e se deixa cair de costas passando a mão pelo rosto e admirando as estrelas pelo teto transparente, de vidro, como todo o resto.

— Não foi só por causa dela que caí, se é o que está pensando. Foi, em grande parte, mas eu estava lá quando Elijáhrm lançou a fêmea prenhe no ninho dos machos adultos e já havia presenciado o quanto ela podia ser cruel antes... Eles estavam tão famintos que mastigavam a sua carne além de beber do seu sangue, foi horrível de ver. A fêmea não se defendeu e por mais forte que Kassia fosse, ela também não teria chance alguma contra Elijáhrm, também seria destruída. Sacrificada, por uma causa maior.

    Dërhon não tinha a dimensão do que Alegra havia passado no período que esteve fora e não queria, mas acabou perguntando mesmo assim com a voz embargada;

— Foi você que salvou a fêmea?

— Não. Eu não imaginava que ela pudesse sobreviver ao ataque dos machos. A fêmea já era mais osso que carne quando sai com minha decisão tomada e bem..., eu deixei um bocado de anjos hipócritas sem chão com a minha decisão, mas... Ficar excitado e beijar na boca, é bem melhor do que estar sempre se vigiando para não cair em tentação e nem sinto tanta falta das minhas asas em tom de rosa e azul. — Dërhon sorri sem querer e Jarel também — E esse tom de moreno cai bem melhor do que a cor pálida de veado que eu tinha antes.

    Kassia sorri de leve e se afasta da porta sem fazer barulho ao ouvir o ronco do motor possante adentrando os jardins da mansão.

— Você está apaixonado pela K.

— E você também está, mas ambos sabemos que esse tipo de sentimento ela só tem por um macho, em especial.

— É. Eu também sei. Também sei disso.

— Temos uma eternidade pela frente, de qualquer modo. — reflete o anjo.


Carol Sales.

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