— Vai ficar aí parada, Kary? — questionou Henrietta.
De repente nenhuma das duas possuía aquela expressão maldosa. Arqueei uma sobrancelha e balancei a cabeça, me chamando de louca mentalmente. Talvez só estivesse um pouco paranóica.
Caminhei em direção às duas e me sentei entre Daniela e Quant enquanto Tanay acabava de colocar a comida num espeto improvisado e começado a girar.
— Quem é ele? — perguntou Dani, se referindo ao Quant.
— Um novato. Eu e Tanay achamos ele dentro da nossa cabana com uma garota.
— E o que houve com ela?
— Não aguentou a recepção calorosa do nosso amado líder — falei, completamente irônica.
Um pequeno sorriso apareceu no rosto da Daniela, como se ela quisesse rir.
— Por que Melina não voltou ainda? — perguntei pra ninguém em especial.
— Não precisa se preocupar — disse Henri. — Ela faz isso de vez em quando. As vezes volta só no dia seguinte, mas ela sempre volta.
Assenti, confiando no que ela dissera.
— Henri e Dani, preciso que vocês cuidem da comida enquanto eu dou uma saída, tudo bem? Vigiem o garoto pra que ele não faça besteiras enquanto estivermos fora.
Quando ouvi ele usando a palavra no plural, sabia que ele estava se referindo a mim, por isso já fui logo me levantando do chão.
— Ainda bem que sua inteligência presta pra alguma coisa — comentou ele sem um pingo de humor e meneou a cabeça pro lado onde geralmente treinamos. — Não iremos longe, prometo.
Comprimi os lábios por um momento, mas por fim acabei assentindo, embora estivesse hesitante. O que diabos ele ia querer resolver comigo no meio da noite?
Logo eu estava andando lado a lado com ele e o mesmo nem me dava o luxo de saber o que queria comigo, apenas me fez andar em silêncio e morta de curiosidade mentalmente. Por isso acabei só encarando minha mão cheia de linhas durante todo o caminho, enquanto ele continuava criando esse mistério — provavelmente pra me assustar por ter implicado com ele.
Demoramos, só que finalmente chegamos no lugar onde costumávamos treinar — e onde possuía tocos perfeitos para se sentar e essa foi a primeira coisa que ele fez ao chegar. Eu continuei em pé e acabei cruzando os braços, esperando que ele começasse seu discurso.
— Por que queria me matar? — questionou ele, me encarando.
— Você me fez andar tudo isso só pra perguntar uma coisa idiota dessas? — Tudo bem, esse não era o tipo de Tanay que eu conhecia. — Não preciso ter motivo pra tentar matar você, até porque vinte quatro horas por dia você consegue ser insuportável.
Tanay balançou a cabeça em negação antes de dizer:
— Não to falando do seu ódio infantil, garota. — Infantil?!, foi meu primeiro pensamento. — Estou falando da tocha.
— Eu não ia deixar você matar alguém desarmado e de nível baixo sem nenhum motivo.
Ele passou uma mão na tatuagem da nuca.
— Você não sabia que isso iria acontecer, não é? — Ele me encarava agora.
Desviei meu olhar pras minhas botas de metal, indicando que a resposta era afirmativa.
— Tudo bem — Tanay suspirou —, o que temos agora é uma Conexão.
— O que é isso? — Voltei a olhar pra ele.
— Eu faço parte de você e você faz parte de... mim — Ele fez uma careta ao falar a última palavra.
— Como? — Eu estava enojada com isso.
— Não tem explicação. É só uma... Conexão. Como um pacto de sangue, entende?
— Quer dizer que agora somos obrigatoriamente parceiros? — Agora eu estava mais enojada.
— Por uma burrice sua, sim.
Dei as costas pra ele, passando a mão no rosto. Céus, por que eu fui fazer essa besteira? Mãezinha Quione, será que não tem como você me tirar dessa?, pensei angustiada.
— E por que você não podia ter me dito isso lá na cabana?
— Porque se a Melina descobrir — ele se levantou antes de completar: — serei um homem morto.
— O que é que rola entre vocês dois, hein? — questionei, querendo saber mais. Havia momentos em que eles pareciam namorados e outros que se tratavam apenas como líder e vice-líder.
— Somos parceiros desde que começou o jogo. Estávamos só esperando o momento certo pra fazer uma Conexão. Mas aí vem uma sonsa e estraga tudo. — Tanay balançou a cabeça, pouco satisfeito.
— Ah, agora a culpa é minha se... se... Se você gosta dela e queria arranjar uma desculpinha pra ter ela pra você e que a droga da sua nuca estava exatamente diante de mim, me pedindo pra que eu jogasse o fogo? Não tenho culpa do destino!
— Eu não gosto dela! — exclamou ele.
De tudo o que eu falei, sério mesmo que você prestou atenção só nessa parte?, pensei, pouco satisfeita. Uma pena que isso só indica mais que você realmente está caidinho por ela.
— Gosta sim e tem vergonha de admitir! — provoquei, embora estivesse claramente alterada por causa da discussão.
— Melina é minha melhor amiga, por que diabos eu...?!
— Porque ela doce, fofa e meiga. Possui um coração caloroso e é totalmente o oposto de você. Aposto que queria fazer uma Conexão com ela pra tentar ter essas qualidades que nunca fizeram parte de você pra ver se uma hora ou outra você conseguia ganhar o coração dela.
Ousei me aproximar dele, aproveitando que havia deixado ele completamente sem palavras, para sussurrar:
— Só que você nunca vai conseguir isso, senhor coração de gelo.
Uma de suas mãos foram parar no meu ombro, me empurrando pra trás.
— Não use sua persuasão comigo — sua voz soou séria, embora eu soubesse que tinha atingido ele.
E mais uma vez você está usando a persuasão sem nem perceber, não é, Kary?, pensei, fazendo uma nota mental de que deveria tomar um pouco mais de cuidado com esse meu poder.
— Se quiser mesmo conquistar ela, vai ter que ser melhor que isso — digo, tirando sua mão do meu ombro.
— Não sei de onde tirou essa ideia maluca de que eu... — Ele balançava a cabeça.
— Está apaixonado?
— Não repita isso!
Abri um pequeno sorriso. Peguei ele.
— Que pena, querido. Agora temos uma Conexão, lembra? — Comecei a rodeá-lo. — Eu sei de tudo o que se passa nessa sua cabecinha. — Dei dois tapinhas na sua cabeça. — Não adianta mais ter segredos.
Era óbvio que eu estava blefando e ainda por cima usando minha persuasão contra ele, só que eu havia acertado tanto nos meus blefes que dessa vez Tanay nem pareceu perceber a magia correndo no ar.
— Você só pode estar blefando.
Me aproximei dele de novo, colocando as mãos em seus ombros e o encarando ao dizer:
— Se você quer a Melina, vai ter que me deixar ajudar. E vamos fazer isso usando metade das nossas aulas de treinamento.
— Você está mesmo falando sério? Como quer melhorar se vai reduzir seu treinamento pela metade?
— Eu dou um jeito. — Sorrio. — Estamos de acordo? — Estendi minha mão pra ele.
Tanay revirou os olhos antes de apertar minha mão e murmurar à contragosto:
— Estamos de acordo.
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A Guardiã do Gelo - Livro 1
Fantasy[Trilogia Os Guardiões - Livro 1] "Estar no último ano do ensino médio pode ser tanto uma benção como uma porcaria. Pensa só: talvez você nunca mais vai poder ver seus amigos de sala e ainda vai ser obrigado a enfrentar o mundo adulto sozinho. Bem...