Capítulo 29 - Sarah

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Dia 48

Carlos estava em sua improvisada central de controle, a qual havia sido montada em uma barraca. Ele acompanhava pelos monitores o avanço do grupo de snipers, que juntamente com outros soldados estavam subindo uma montanha, às vezes usando técnicas de escalada. Logo chegariam a um platô bem alto, onde teriam um ângulo de tiro quase perfeito para eliminar os havas que haviam ficado ilhados atrás das pedras, e, o melhor, de forma discreta.

Sarah entrou na barraca, ela era um dos reforços vindos do acampamento central. Carlos gostou dela logo da primeira vez que a viu. Ela era alta e usava cabelos na altura dos ombros. Todas as outras soldados femininas usavam cabelos curtos ou até mesmo raspavam a cabeça, a praticidade era algo importante em uma guerra. Porém a soldado a sua frente não abria mão de algumas coisas.

Carlos gostaria de conversar com ela, ele apreciava muito a companhia dela. Porém agora era um momento delicado, o pessoal estava em campo e havia inimigos por lá, e ele tentou passar isso para ela em seu olhar de forma que não a magoasse.

Ela percebeu a situação e procurou ser o mais breve possível dizendo:

- Temos um problema, a soldado Juliana não chegou, ela saiu do acampamento central na última leva de VICDs, todos os outros do último grupo já chegaram. Muitos se atrasaram por problemas nas VICDs. Um dos soldados até teve que fazer os últimos 80 km a pé, aí resolvemos esperar mais um pouco, mas agora ela já está dois dias atrasada.

Carlos ficou preocupado e pensou "mais essa agora, uma soldado perdida" e respondeu:

- Peça para o pessoal fazer um busca nas imagens de satélite que a gente tem da rota dela, é o que dá para fazer por enquanto.

Sarah assentiu e deixou a barraca, ela não conseguia deixar de pensar em Juliana, elas não tiveram tempo de fazer uma amizade profunda, haviam se conhecido quando embarcaram na Aurora Seis para aquela missão. Mas elas haviam conversado muito quando se preparavam para a viagem de VICDs, Sarah estava no primeiro grupo e saiu dias antes de Juliana, que viria somente na última leva.

Durante o percurso na VICD Sarah nunca havia se sentindo tão só na vida inteira. Dias absolutamente sozinha naquele planeta praticamente vazio, onde às vezes o silêncio era assustador.

Ela havia crescido em um planeta agrícola. Seus pais ficavam o dia todo consertando tratores autônomos. Ela tinha muita liberdade de brincar nos campos de milho, com os filhos dos outros técnicos.

Ele se recordou como achou estranho quando, ao completar 8 anos de idade, foi levada para ficar meses em uma base militar, para aprender a atirar, e outras técnicas de sobrevivência, além da disciplina militar. Claro que havia coisas divertidas, ela se achava o máximo, quando atirava com armas de fogo. Porém eram tantas as cobranças, qualquer erro era corrigido de forma brutal e em público. Se você não conseguia consertar um micro furo em uma simulação no casulo de fuga, vinham três monitores, que não passavam de pré adolescentes com 11 ou 12 anos de idade, e gritavam:

- Você morreu soldado, e matou todo o seu grupo, envergonhou sua família, envergonhou a raça humana toda. Aqueles cabeça de peixe dos Stall vão acabar com todos, e, por sua causa.

Mas ela conseguiu sobreviver a Fase I de treinamento básico, e, depois de algum tempo ela sentiria muita falta da base militar. Ela voltou para casa com oito anos e meio. E quando tinha nove anos e meio os Stall chegaram a um sistema solar vizinho.

Ela se lembrou com tristeza da evacuação de emergência, da possibilidade de morrer a qualquer momento, do medo de ter sua morte de uma forma horrível.

E depois da evacuação, a viagem em condições desumanas na nave de transporte superlotada. Não havia sanitários suficientes, as pessoas faziam suas necessidades em qualquer lugar. E gotículas de urina e pedaços de fezes flutuavam na microgravidade, fazendo pessoas vomitarem, e ai, mais sujeira no ar que você respira.

As pessoas brigavam pelas poucas máscaras disponíveis. Algumas pessoas entravam em pânico e necessitavam ser sedadas. No meio da viagem os sedativos acabaram, e as pessoas passaram a ser amarradas e colocadas em um canto, onde ficavam gritando por dias seguidos, até desmaiarem.

Depois eles ficaram mais de um ano em uma lua, o local era chamado de CAT (Central de Acomodação Temporária). Na prática era um campo de refugiados espacial.

Não havia nenhum planeta com atmosfera respirável naquela região do espaço, então eles montaram módulos pressurizados na superfície de uma lua e encheram eles de gente, e sempre chegava mais uma nave de transporte para desovar a carga de refugiados.

Não havia nenhum planeta com atmosfera respirável naquela região do espaço, então eles montaram módulos pressurizados na superfície de uma lua e encheram eles de gente, e sempre chegava mais uma nave de transporte para desovar a carga de refugiados

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Durante o tempo que ficou na CAT ela nunca ficou sozinha em um ambiente, sempre havia gente se espremendo nos módulos. Comer, dormir, tomar banho, tudo se fazia junto com dezenas de pessoas.

Finalmente seus pais conseguiram uma colocação em um outro planeta agrícola. Afinal eles eram técnicos muito experientes. Foram meses se recuperando da baixa gravidade da lua, e a vida voltou a ter alguma normalidade. O novo planeta era um grande produtor de batata e ela conseguiu passar bons anos lá.

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