capítulo 31 - curiosidade

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Dia 50 da chegada ao planeta, 15:00 hs horário do planeta UH-9536

Juliana caminhava com dificuldade. A perna direita doía muito, ela já havia tomado quase todos os analgésicos de seu kit de primeiros socorros, e decidiu economizar os medicamentos. Ela calculou que tinha pelo menos mais um dia de caminhada, isso se conseguisse manter o ritmo, o que era muito improvável.

Não havia sido fácil fazer sozinha as suturas em sua coxa, e foi ainda pior em seu antebraço, quando tinha que fazer tudo só com uma mão.

As últimas 48 horas foram um pesadelo. Após o tiroteio com o inimigo, ela sentia que estava em perigo de vida a todo instante.

Cada sombra, cada pedra que rolava, em tudo ela via um possível inimigo que poderia atirar nela.

Ela havia dormido apenas alguns minutos nas últimas noites. A única vez que sentiu tanto medo e desespero foi na Fase I do treinamento básico. Ela se lembrou daqueles dias.

Quando completou 8 anos de idade seus pais a mandaram para a base militar do planeta em que eles moravam. Naquela época seus pais possuíam bons cargos na administração colonial. Eram quase da elite e tinham muitos privilégios.

Ela não queria ir, nunca havia se separado de seus pais, e no treinamento básico todos eram iguais, não havia privilégios para ninguém, essa era a lei.

Ela havia sido mimada pelos pais a vida toda, nunca ninguém havia gritado com ela. E no treinamento xingavam ela a toda hora.

Ela chegou a um ponto em que se recusou a fazer os exercícios e a ignorar as ordens e os gritos. Isso levou os monitores, que eram cinco ou seis anos mais velhos que ela, a tomarem medidas drásticas.

Em uma manhã ela estava na cama, e foi acordada com um balde de água gelada, o qual jogado sobre ela. Os seis monitores a arrastaram para um bosque onde realizavam treinos.

Eles a espancaram impiedosamente, deixando sua pele, que era clara como leite, cheia de hematomas roxos. Ela sangrava de um corte feio no lábio inferior. Os monitores então disseram gritando:

- Acabou a palhaçada Juliana, ou você vai fazer o que a gente manda, e fazer direito, ou toda manhã você vai apanhar. Volta pro alojamento, toma um banho e se apresente para a preleção da manhã.

Ela passou o dia todo segurando o choro, mas conseguiu sobreviver. Durante os próximos meses ela ficou contando os dias para aquele pesadelo terminar.

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O Crow de crista rajada seguia os rastros do soldado da raça desconhecida. Não era fácil seguir pegadas naquele solo cheio de rochas. Era uma aqui e outra a metros de distância. Mas para a espécie dele era fácil perceber padrões, ele havia notado o padrão de caminhada de seu alvo e já sabia onde procurar a próxima pegada.

Parte dele queria voltar e continuar a fuga, ele havia visto vários daqueles grupos de havas ultimamente, deviam estar fazendo expedições de reconhecimento, ou até mesmo procurando por ele.

Há dois dias ele estava fugindo de um dos grupos de havas. Ele iria conseguir, afinal um crow corre muito mais rápido do que os guerreiros hava. Mas aí ele viu aquele abrigo.

A curiosidade era umas das características mais forte dos Crows, ele simplesmente não conseguiu não se aproximar dele, mesmo sabendo que alguém armado poderia sair dele a qualquer momento. O que de fato viria a ocorrer.

Aquele soldado alienígena saiu do abrigo e apontou a arma para ele. Sentir a morte tão próxima fez com que ele se arrependesse da fuga por um momento.

Ele imaginou o pânico que os havas devem ter sentido quando viram um inimigo deles capturando um crow. Eles sabiam que não podiam de forma alguma deixar o inimigo ter acesso ao conhecimento dos Crow.

Quando os hava começaram a atirar, ele correu e se abrigou atrás de uma rocha. A curiosidade o obrigou a pôr a cabeça para fora, bem a tempo de ver o soldado desconhecido eliminar os hava. Ele lutava bem, apesar da aparência frágil. A arma dele era muito eficiente. Ele pensou que os hava iam ter problemas sérios com aquela espécie.

Ele havia ficado escondido até o soldado desconhecido recolher seu material de acampamento e ir embora. Então foi até os hava mortos, pegou um rifle e uma arma de assalto. Apesar de muito primitivas, aquelas armas iriam servir por enquanto, ele não podia ficar tão indefeso quanto estava.

Ele pegou algumas rações dos hava, munições e outros objetos. Ele percebeu que um hava ainda estava vivo. A granada não havia conseguido dar fim nele. O crow então usou uma pedra grande, e espatifou o crânio do guerreiro até que não sobrasse nada além de uma massa sangrenta.

O crow usou uma ferramenta afiada para cortar pedaços de carne do corpo do hava. Ele mastigou e engoliu um deles. Ele achou o gosto bom e também pensou que iria precisar daquele alimento nutritivo para enfrentar aquela fase da vida, era a primeira vez que iria ter filhotes.

Ele colocou alguns pedaços do hava em uma mochila, e passou a seguir os rastros do soldado desconhecido. Ele estava intrigado. Se perguntava, por que ele está sozinho e a pé? Por que não pediu ajuda por rádio? Simplesmente não fazia sentido.

A vontade de se vingar dos Hava era muito grande dentro dele. Uma outra espécie poderosa seria um aliado muito útil para alcançar seu objetivo. Mas o risco de ser aprisionado e só trocar de algoz, ou de ser sumariamente morto, era grande. Porém ele pensou que aquele soldado não atirou nele, talvez houvesse como entrar em acordo com eles. E também a curiosidade era algo que ele não conseguia resistir.

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