Cap. 3 - O cultivador enigmático

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Wen Ning pagou por uma bebida, ocupou a mesa mais próxima da porta, fingiu bebericá-la desatentamente e esperou. Havia um grupo de bêbados conversando muito alto nas imediações da estalagem e estes provavelmente fariam grande alarde caso avistassem um homem encapuzado tentando invadir um dos quartos, portanto ele aguardou o melhor momento para executar o que pretendia.

Checando mais uma vez se não estava sendo visto ou seguido, Wen Ning se esgueirou para o exterior da estalagem, circundou-a pelo lado de fora e, após contar as janelas e localizar aquela que pertencia ao quarto 16, usou a força de seus braços para escalar um rústico pilar de madeira. Ele equilibrou-se caminhando pelos beirais até atingir o seu objetivo, mas assim que o alcançou, Wen Ning ficou bastante decepcionado ao constatar que, embora obteve a sorte de encontrar a janela aberta, sua abertura era pequena demais para um adulto de ombros largos, como os dele, conseguir adentrar.

Wen Ning suspirou com resignação. Não tendo outra escolha senão debruçar-se sobre o parapeito e enfiar a sua cabeça através do orifício, ele o fez se esticando o máximo que podia.
A vela que estava sobre a mesa se tornou apenas uma poça de parafina e sob o fraco luar que a janela emitia, o General pôde apenas verificar que a "coisa" misteriosa que outrora estava próxima da parede da janela, agora não se encontrava mais lá.

"
Se aquilo era mesmo um corpo e se aquele homem atrevido foi o autor desse crime, naturalmente ele retornaria para se livrar das provas" - ele ponderou. Todavia, como o elemento sob a janela havia desaparecido e estava escuro demais para enxergar qualquer outra coisa, a única pista que poderia levá-lo ao médico e à doença de Yiling, era aquele cultivador que o abordara.

Wen Ning retirou sua cabeça da abertura, estabilizou-se numa área segura e tateou sob as vestes a sua bolsinha de moedas. Sentindo-se desanimado com o peso do objeto, ele pensou:

"Não sobrou muito, mas se eu quiser arrancar mais algumas informações daquela funcionária, terei que desembolsar mais algumas moedas."

Ele tornou a guardar o objeto, saltou do lugar de onde estava e pousou agachado com suas mãos apoiadas no chão.

Projetada no solo que ele sem querer encarou, Wen Ning avistou o que parecia ser uma silhueta humana. Alarmado, Wen Ning rapidamente se levantou e virou sua cabeça naquela direção, mas o dono daquela sombra já havia desaparecido.

Wen Ning fez uma busca pelos arredores, mas não encontrou viva alma na rua. Não havendo mais nada a ser feito, ele caminhou de volta para a estalagem enquanto refletia:
"Estou vagando há muito tempo sem descansar, talvez eu esteja imaginando coisas."

O general reencontrou a funcionária corpulenta e, adiantando-se, depositou duas moedas sobre o balcão.

— Com licença, senhora, eu poderia lhe fazer uma outra pergunta?

A mulher, que limpava o balcão com um pano encardido e uma cara de poucos amigos, recolheu, sem emoção, as moedas de Wen Ning, guardou ambas entre os seios e só então lhe dispensou alguma atenção.

— Pois não?

— Estou procurando um homem que esteve por aqui. Será que a senhora o conhece? Ele é alto, muito bo... be-bem apessoado, estava usando um hanfu sem a túnica interna e...

Assim que começou sua descrição, a mulher fez um gesto para que Wen Ning parasse. Ele interrompeu seu discurso, a observou atônito e ela estreitou os seus olhos como se o estivesse julgando.

  — Aham... deixe-me adivinhar: um bonitão gostoso e descarado com uma voz de veludo; olhos puxados como os nossos, mas claros como os de estrangeiro; uma espada com esmeraldas e roupas sempre escuras; alto, esbelto, musculoso, atrevido, manipulador, safado, sem vergonha e um tremendo de um galinha.

Wen Ning não esperava por aquela reação e ainda a encarava um tanto boquiaberto. Como se estivesse habituada a responder aquela mesma pergunta várias vezes, a mulher deu de ombros, apoiou os cotovelos no balcão e o queixo sobre as próprias mãos. Quando tornou a abrir a boca para falar, ela o fez de maneira preguiçosa, como se estivesse bastante entediada.

— Sei, sei.... Que mulher, por aqui, nunca ouviu falar desse cara?

Ela voltou a limpar o balcão com o seu pano encardido e depois prosseguiu:

— O nome dele é Bai Renshu. Também conhecido como "Shu", "shu" de "livro", sabe? Porque ele tem sempre aquele jeito irritante de quem sabe tudo.

A funcionária estendeu a mão, indicando querer mais dinheiro.

— Que mais cê quer saber?

Wen Ning lhe deu mais uma moeda.

— Você sabe para onde ele foi? Ou para onde pretende ir?

A mulher também guardou a nova moeda entre os seios e então respondeu:

— Hoje cedo eu ouvi ele dizendo que voltaria para Yiling.

— "Voltaria"? Sabe me dizer se ele mora lá?

— "Morar" não é exatamente a palavra, porque aquele lá... pff! Cada noite esquenta uma cama diferente. Mas... digamos que... ele mantém um "porto" naquela cidade, sim.

 — Um porto?

A mulher abriu um sorriso de escárnio e começou a erguer sua mão novamente, por isso o General prontamente lhe entregou outra moeda.

— O que a senhora quis dizer com isso?

Ela fez uma cara feia, cuspiu ruidosamente no chão e depois disse em tom de desdém:

 — Oras! E o que mais poderia ser? É óbvio que ele precisa de um lugar pra guardar toda aquela tralha que ele ganha das pessoas que ele seduz. Uma verdadeira enxurrada de joias, roupas, dinheiro, móveis, objetos valiosos e até comida! Aquele ordinário não precisa trabalhar pra nada. Basta ele escolher uma vítima, jogar o seu charme, insinuar que precisa de alguma coisa, colocar suas vergonhas para fora e... pá! As coisas caem no colo dele como se fossem mágica.

Wen Ning parecia chocado com a maneira rude com que aquela mulher falava, mas ela nem pareceu se importar e voltou a limpar seu balcão calmamente. Como se também estivesse acostumada a tocar nesse assunto, ela se adiantou:

— E não. Antes que você me pergunte, eu não fui uma dessas idiotas que se deixaram seduzir por ele. Eu apenas sinto muita inveja de precisar aturar esses bêbados e vagabundos enquanto aquele safado fica por aí ostentando a sua vida fácil.

"Então ele é algum tipo perigoso de conquistador em série? Isso explica muito sobre aquelas joias, seus trajes provocantes e o seu comportamento" – ponderou o General Fantasma.

Wen Ning se sentia cansado. Ele observou a quantidade ínfima de moedas que lhe restaram após aquele interrogatório e suspirou.

 "
Não tenho o suficiente para alugar um quarto" – ele pensou – "e talvez aquela sombra não tenha sido mera impressão minha. Se eu dormir ao relento, correrei o risco de acordar com alguma surpresa desagradável. Por outro lado, se eu partir agora, chegarei à Yiling pela manhã e então poderei encontrar algum lugar para descansar. O dia é certamente mais seguro do que a noite. Terei que ser resiliente."

Estranhando o silêncio do homem à sua frente, a mulher questionou:

— O que foi? Eu estraguei as suas pretensões românticas quando te contei as verdadeiras intenções do seu bonitão?

Wen Ning recuou três passos, uniu seus braços em forma de arco e inclinou-se para frente em uma breve reverência.

Nada mais tendo a dizer ou perguntar, ele se virou de costas e então partiu.

O Legado da CarneOnde histórias criam vida. Descubra agora