Capítulo 63

125 25 28
                                    

Wen Ning despertou com a bexiga cheia, mas um terrível sono ainda o abatia. Sua boca estava amarga e o seu ruidoso estômago ardia, mas como que para recompensá-lo, um delicioso cheiro de carne assada agradava suas narinas.
O General sentou-se, esfregou seus olhos e vislumbrou apenas um borrão luminoso com sua visão enturvecida.

— Que lugar é esse? - ele se questionou, ao mesmo tempo que massageava a sua cabeça, também dolorida.
Com seus olhos semicerrados, ele tentou focar a sua visão e distinguiu o que parecia ser uma carcaça e uma fogueira. Esforçando-se para erguer-se, mas incapaz de se firmar em função de suas pernas bambas, Wen Ning caiu a cada tentativa. Os tombos pioravam seu desconforto tornando cada vez mais difícil segurar a sua bexiga, então o resignado Wen desistiu de suas investidas.

Tateando o solo terroso, Wen Ning engatinhou para o lado oposto ao do fogo e desmanchou, sem notar, parte do enorme coração que alguém desenhou ao redor do local onde ele esteve dormindo e quando o seu sonolento rosto bateu nas frias grades de metal, ele as aproveitou como apoio para enfim conseguir colocar-se em pé.
"Acho que estou bêbado... será que eu fui preso porque briguei?" - pensou o confuso General, mas quando caminhou amparado pelas enferrujadas barras metálicas até o ponto em que as mesmas se extinguiam, estranhou ao perceber que ele estivera o tempo todo do lado de fora da cela vazia.
Wen Ning sentia-se zonzo, dolorido, desnorteado e prestes a urinar nas próprias vestes, portanto preferiu ignorar este fato. Em passos lentos e vacilantes, ele conseguiu cambalear até a extremidade mais escura e profunda do local e de maneira demasiado desajeitada e apressada, libertou sua parte íntima das roupas e esvaziou a sua bexiga.

"Ufa! Finalmente..." - pensou o aliviado Wen, recolocando suas vestes com sua agora inábil coordenação motora e deixando-as involuntariamente tortas.

"Argh! Que asia horrível esse álcool me deu..." - ele pensou, apoiando as duas mãos sobre o estômago enquanto lutava para se manter em equilíbrio.
"Ou será que é apenas falta de comida?" - ele ponderou, assim que sua barriga voltou a emitir um ruído demasiado alto.

Na escuridão daquele trecho, o desorientado General sequer soube para qual lado caminhar e chocou-se contra a parede, mas guiado pelo olfato, ele conseguiu se voltar na direção iluminada e retornou cambaleante para o local de onde viera.

Destruindo, sem querer, outra parte do ignorado coração desenhado, Wen Ning adentrou aquele perímetro e pisou em um objeto comprido. Perdendo seu equilíbrio, o grogue General deu dois passos cambaleantes para o lado e caiu sentado, derrubando outro objeto e derramando o líquido que ele continha.
A fogueira chiou quando o líquido fluiu em sua direção, mas suas chamas diminuíram ao invés de serem atiçadas.

— Não é álcool - afirmou o sonolento Wen, e quando cheirou o improvisado copo vazio, sentiu somente o cheiro de bambu e um sutil aroma de frutas.
Um segundo objeto, bastante semelhante, ainda permanecia erguido. Wen Ning o recolheu e estranhou, dizendo em pensamento: "Dois? Será que eu estava esperando alguém?"
Ao cheirar aquele, Wen Ning sentiu o mesmo odor de bambu, mas este não continha o aroma das frutas. Tocando seu conteúdo com a ponta de sua língua, o General concluiu animadoramente:

— É água! Ainda bem!
Wen Ning bebeu metade do líquido e usou a outra metade para lançá-la em seu rosto na esperança de que isso ajudasse a dissipar a sua sonolência. Sua visão melhorou um pouco, mas ainda permanecia parcialmente enevoada.
O General então pegou o objeto comprido em que havia tropeçado, o ergueu na altura dos olhos e ao analisá-lo, descobriu que era uma tocha cuidadosamente preparada com tiras de tecido branco sujo de sangue e de terra e embebida em gordura animal.

— Deve ser sangue dessa coisa assada - disse o Wen em uma fala mole e inebriada. - Mas onde diabos eu consegui esse tecido?
Dando de ombros, o General esticou-se até o graveto que sustentava a carne e a saboreou com gratidão na esperança de ela colocaria um fim aos protestos de seu escandaloso estômago.
Limpando o sumo da carne em sua boca e mãos nas suas próprias vestes, Wen Ning falou em sua voz vagarosa e entorpecida:

— Sinto que estou me esquecendo de algo muito... importante...
Wen Ning deu um longo bocejo e deduziu:

— Acho que estou... me esquecendo de dormir...
Ao dizer isso, Wen Ning deixou o seu tronco cair pesadamente para trás e dormiu instantaneamente na mesma posição em que havia caído.

Enquanto isso, do lado de fora da caverna, corvos alvoroçados crocitavam na escuridão da noite.
"Morte", "morte" - seus obscuros corvejos pareciam anunciar, ao passo que o adormecido General remexeu-se desconfortável, suado e inquieto, como se pressentisse aquele mau agouro.
Não muito distante dali, um pedaço de uma barra de metal enferrujada atravessava um coração pulsante.

Um homem alto caiu de joelhos, puxou o objeto metálico e o lançou para longe, enquanto um fluído morno e vermelho vertia de seu ferimento e formava uma extensa poça de sangue.
"Me perdoe, eu não tive escolha" - balbuciou o homem com dificuldade, cuspindo seu sangue juntamente com suas últimas palavras.

Seu pulsante coração batia cada vez mais devagar e enfraqueceu-se até que seus batimentos falharam e depois se findaram. Tão logo aquele corpo despencou sobre o solo ensanguentado, uma tocha se soltou de uma de suas mãos inertes e rolou sobre a relva úmida.
Girando, girando e girando sobre o terreno em leve declive, aquela tocha fatidicamente se apagou, assim como o brilho dos olhos daquele homem alto que anteriormente que a segurava.

O Legado da CarneOnde histórias criam vida. Descubra agora