O Legado da Carne

Cap. 82 - Coração partido

Sentindo o seu empanzinado estômago doer a cada solavanco das rodas da carruagem no terreno acidentado, Wen Ning viajava de volta para a sua casa.

Ao reacomodar-se nas macias almofadas fartamente recheadas de plumas de algum animal – que o Wen imaginou, com certa diabrura, que tratava-se de um pavão –, o General pensou extasiado: "Aaah, estava tudo tão delicioso...! Acho que eu nunca comi tanto na minha vida! O pequeno banquete que o Jovem Líder Jin havia mencionado não teve nada de modesto, será que é assim que os ricos comem todos os dias?". Depois, ponderando melhor a respeito, Wen Ning concluiu com um pequenino sorriso: "Nah, acho que ele só estava tentando impressionar A-Yuan".

Minutos mais tarde, encarando a protuberância que o excesso de comida havia projetado em seu estreito abdômen, Wen Ning abriu um sorriso travesso e disse enquanto apertava a sua própria pancinha:

— Hehehe... Se eu tiver a sorte de encontrar o Renshu em casa, vou dizer a ele que estou grávido e exigir que assuma essa criança.

Rindo sozinho de sua própria imaginação da situação, Wen Ning posteriormente questionou-se:

— Renshu é tão bobo e dramático... como será que ele reagiria?

De repente, um rosto confuso e boquiaberto o encarou por entre as frestas da requintada estrutura de madeira. Wen Ning imediatamente calou-se, mas o ancião de barba e bigodes longos que conduzia a carruagem, disse com uma careta horrorizada:

— Olha, meu jovem, todos aqui em Lanling Jin já estamos conformados de que o nosso estimado Jovem Líder é... o senhor sabe... desses que não semeiam em solo fértil e que diferente do avô, ele não fará herdeiros, mas agora o senhor me diz que engravidou de um outro homem e ainda me pede a opinião? Com todo respeito, mas... se eu que sou velho e vivido já quis saltar do coche e sair correndo, então imagina esse sujeito!

Tal como leite em ponto de fervura, uma onda de calor subiu pelo rosto de Wen Ning, tingindo-lhe de vermelho a completude de sua face.

— E-e-eu eu só esta-tava pe-pensando a-alto-to – tentou argumentar o esbaforido Wen.

— Entendo – disse o cocheiro com um sorriso esquisito e forçado, olhando para Wen Ning com a cautela de alguém que não pretendia contrariar um louco.

— E-e-e-e-eu re-re-realmente nã-não...

Como que para encerrar o assunto, o velho cocheiro gesticulou com a cabeça e ergueu cordialmente o seu cônico chapéu de palha. Posteriormente virando-se para encarar a estrada, o ancião alisou um dos lados de seu longo bigode e tornou a conduzir os cavalos enquanto pensativamente resmungava:

— E eu que achei que eu já tivesse visto de tudo nessa vida...

Envergonhado, Wen Ning fechou as cortinas e decidiu cochilar pelo restante da viagem. Teve sonhos perturbadores a respeito de filhos de Bai Renshu com diferentes mulheres, ao passo que seu amado se afastava com suas crianças no colo e enfurecidamente o acusava: "Eu te amava, Wen Ning! Eu te amava muito, mas você traiu a minha confiança! Você amarrou uma mecha sua no meu dedo e me prometeu que não prejudicaria a sua vida para tentar salvar a minha, mas foi só eu ficar inconsciente que você agiu contra a minha vontade".

Atormentado por seus sonhos, Wen Ning  balbuciava incompreensíveis pedidos de perdão enquanto dormia. Achando melhor não se atrever a perguntar o que estava acontecendo, o cocheiro o interrompeu somente quando a viagem já estava próxima de se encerrar.

— Senhor? Senhor, já estamos em Yiling – disse o ancião. — O Jovem Líder Jin me deu ordens expressas para deixá-lo na porta da sua casa, eu preciso que o senhor me explique como chegar lá.