O Legado da Carne

Cap. 120 - Revelações - parte I: O assassino honrado

Wen Ning estava eufórico; seus olhos brilhavam com curiosidade e expectativa. A ansiedade o consumia, mal podendo conter sua agitação.

"Renshu," o General começou, sua voz tremendo em uma mistura de apreensão e entusiasmo, "conte-me tudo desde o início! Quero saber cada minúcia. Por favor, não omita nada!"

Bai Renshu sorriu discretamente. Depois de passar a maior parte da vida sendo tratado como mero objeto, o fato de alguém se interessar pelos detalhes de sua vida, especialmente se esse alguém fosse Wen Ning, secretamente o empolgava.

Com suas mãos gesticulando no ar, suas entonações mudando para refletir as emoções da narrativa e seu semblante se alternando entre expressões teatrais, o cultivador iniciou a sua história:

"Era uma noite sombria e chuvosa, situada na época em que as seitas YunmengJiang, LanlingJin e GusuLan uniram forças para combater as abominações que, graças à loucura e cobiça de um certo velho desgraçado, haviam se proliferado como moscas. Meses haviam se passado desde a nossa separação, e a maior parte das cidades, incluindo Yiling, já era considerada segura. No entanto, algumas áreas mais remotas, denominadas como 'ninhos', ainda estavam infestadas.

Na ocasião, eu vivia nas ruas, sem destino ou propósito, exceto por eliminar jiangshis até a exaustão, me embriagar para temporariamente esquecer meus dissabores e adormecer em qualquer beco imundo onde pudesse encontrar abrigo momentâneo. Minha saúde estava debilitada, vítima de todas as privações e da negligência que eu impunha a mim mesmo. Uma pneumonia insistente me afligia, mas eu estava cansado daquela vida miserável e ansiava pela morte, por isso eu não me importava. Minha única ambição era cumprir minha missão o mais rápido possível, independentemente dos riscos que eu corria.

A tempestade, com sua torrente incessante e ventania furiosa, parecia não ter fim e já perdurava por vários dias. Sua excelência, sempre muito prudente, havia ordenado que todos os combatentes suspendessem os ataques, uma vez que a lama dificultava os avanços e o clima impossibilitava que as chamas de salvaguarda permanecessem acesas. Naquela noite em particular, o céu trovejava e relampejava como se os deuses estivessem furiosos; a chuva caía implacável, transformando florestas e estradas em pântanos e lamaçais traiçoeiros. Ninguém em sã consciência ousaria aventurar-se em um cenário tão inóspito, uma vez que qualquer descuido resultaria em uma queda e, por consequência, em uma horda de jiangshis avançando ferozmente sobre a pessoa. Entretanto, como sempre, nada disso me impediu.

Os uivos agonizantes dos monstros que me avistavam ressoavam sinistros, convocando outros de sua espécie para se unirem à ofensiva. Em pouco tempo, eu me vi cercado e encurralado, travando uma luta desesperada e exaustiva. Meu corpo debilitado mal suportava o esforço, e a cada hora eu sofria mais arranhões e mordidas.

Contudo, num momento de sorte surpreendente, um raio fulminou uma árvore próxima, incendiando-a instantaneamente. Fogo e água travaram um embate majestoso e brutal, fazendo com que os jiangshis fugissem aterrorizados. Ciente de que não haveria outra chance, segui desenfreado, atacando-os pelas costas com todas as forças que ainda me restavam.

Eliminei até o último jiangshi que meus olhos vislumbraram e, exausto, me deixei cair sobre a lama. Doente, ferido e cansado, fechei minhas pálpebras pedindo em pensamento que me você perdoasse por deixar o resto em suas mãos e me resignei a aceitar que o doce abraço da morte viesse me enlaçar.

Quase perdendo os sentidos, ouvi um choro, um som frágil e solitário que ecoava pela escuridão. Eu achei que se tratava de algum delírio ocasionado pela minha febre ou que eu não havia conseguido eliminar todos os meus algozes e estava novamente sendo afetado pelo Legado da Carne, mas pelo sim ou pelo não, decidi averiguar mesmo assim. Me ergui com dificuldade, arrastei-me apoiado em Mìngyùn, segui o som até uma antiga cabana, e foi então que eu a encontrei."