O Legado da Carne

Capítulo 24

Wen Ning ajeitou a cozinha enquanto Bai Renshu descansava. Ele não a arrumou com minúcias, já que no dia seguinte, pretendia deixar a casa impecável para quando seu estimado amigo retornasse, mas descartou e limpou as cascas e restos de comida e guardou os demais alimentos para que ratos e insetos não invadissem a cozinha no decorrer da noite.
Bai Renshu dormia tranquilo feito um anjo e seu semblante sereno evidenciava ainda mais a sua beleza. Enquanto sonhava, o cultivador balbuciou o nome do amigo uma vez, o que fez com que o General executasse seus afazeres sorrindo feito um tolo.
Concluída a limpeza, o General foi até o quarto de Bai Renshu para ajeitar as coisas para que ambos passassem a noite. Wen Ning não ousaria dividir o futon com ele, mas desconfiava que o cultivador fosse capaz de ir embora sem despedir-se, portanto decidiu passar a noite na casa, sentado em vigília.

Wen Ning retirou o papel de embrulho que ainda estava sobre o futon, afastou as cobertas e afofou o travesseiro para melhor acomodar o seu amigo. Depois, procurou por um travesseiro extra nos armários para sentar-se, mas lembrou-se, com certa satisfação, que Bai Renshu não recebia visitas, portanto não estranhou o fato de não encontrá-lo. Em contraparte, cobertores extras eram comuns para dias mais frios, por isso o General estendeu um no chão para si, a pouco mais de um metro de distância de onde Bai Renshu dormiria.
Quando retornou à cozinha, Wen Ning sorriu ao ouvir, novamente, o cultivador balbuciar o seu nome enquanto dormia. Porém, desta vez, Bai Renshu o havia chamado com aparente desespero e sua expressão não mais estava tranquila.
"Ele deve estar tendo um pesadelo" – pensou Wen Ning. E portanto, aproximou-se com a intenção de acorda-lo.
— Renshu? – Wen Ning chamou, enquanto gentilmente o balançava, mas quando tocou suas costas, assustou-se ao perceber que o corpo dele tremia e que parecia muito quente.
— Renshu? Renshu?? – tornou a chamar, balançando o corpo dele mais vigorosamente, mas o cultivador não acordava.
Wen Ning levou a mão até a testa de Bai Renshu e desesperou-se ao perceber que ele estava bastante suado e ardendo em febre. Ele ergueu cuidadosamente o cultivador em seus braços e o levou correndo para acomodá-lo no futon, depois encontrou algumas  toalhas e saiu às pressas para buscar água limpa e fria.

Wen Ning retornou com a bacia cheia de água, retirou o manto de Bai Renshu e passou horas revezando as toalhas úmidas para manter a temperatura do cultivador estável.
Em certo momento, Bai Renshu emitiu um fraco gemido e abriu lentamente os seus bonitos olhos verdes. Wen Ning tinha lágrimas nos olhos, mas sorriu aliviado assim que o cultivador acordou.
Bai Renshu levou as mãos ao rosto de Wen Ning e limpou as suas lágrimas carinhosamente com os seus polegares. Eles entreolharam-se e sorriram amorosamente um para o outro e depois Bai Renshu levou os seus dedos indicador e médio até os próprios lábios.
Bai Renshu fitou Wen Ning diretamente nos olhos e beijou os próprios dedos demoradamente. Depois, ele ergueu sua mão e encostou os mesmos dedos nos lábios do General.
Wen Ning não esperava por isso e ficou totalmente atônito com este gesto. Aproveitando-se de sua distração, Bai Renshu lhe deu um golpe rápido e preciso em um ponto vital localicado na nuca dele, ocasionando-lhe um choque neurossistêmico e provocando o seu desmaio.

Wen Ning desfaleceu sobre o corpo de Bai Renshu e o cultivador imediatamente tapou os ouvidos dele, deixando escapar um grito demasiado frustrado e atormentado.
Desta vez o cultivador se permitiu chorar e o fez agarrado à Wen Ning em um abraço muito forte, sofrido e desesperado.
Após conseguir controlar-se, Bai Renshu acomodou o inconsciente Wen Ning em seu futon, cobriu-lhe com as cobertas e, voltando a vestir o seu manto, preparou-se para deixar o quarto.

Bai Renshu caminhou até a porta mas, hesitante, virou-se para olhar pela última vez a criatura que ele tanto estimava. Tomado por um impulso forte e incontrolável, o cultivador correu até Wen Ning, debruçou-se sobre ele e, novamente chorando, depositou um sofrido beijo em seus lábios.

Percebendo, tarde demais, o erro que havia cometido, o cultivador afastou-se e deu-se um forte tapa no próprio rosto, sentindo-se horrivelmente culpado.

— Me perdoe... Me perdoe! Eu não deveria... me perdoe... - disse o Bai, limpando, com as mãos trêmulas, as lágrimas que havia derramado no rosto do General.

Sentindo-se o pior dos demônios por ter ousado macular uma criatura tão pura, Bai Renshu deixou o quarto sem ousar olha-lo novamente.
Ele se dirigiu ao quarto de banho, usou a mesinha escrever algumas palavras em um pergaminho em branco e recolheu o outro pergaminho que estava em um bolso interno de sua roupa. Posteriormente, ele retirou de si todas as jóias que estava usando e as colocou sobre a mesa junto com os dois pergaminhos.
Com um triste suspiro, Bai Renshu reuniu todos os objetos e os guardou dentro de uma cômoda. Depois, com o olhar firme e decidido, ele saiu pela porta da frente e partiu sem olhar para trás, levando consigo apenas a dor, a coragem e a sua espada.

Na manhã seguinte, Wen Ning recobrou a consciência e desesperou-se ao achar que havia pegado no sono e dormido um sono pesado. Ele percorreu todos os cantos da casa chamando por Bai Renshu, mas compreendeu que ele já havia partido quando não obteve resposta.
"Ele nem quis se dar ao trabalho de me dizer adeus" – pensou Wen Ning, magoado. Mas depois lembrou-se do "semibeijo" e corou ao imaginar que qualquer despedida teria sido muito embaraçosa depois desse ato, portanto ponderou que talvez tivesse sido melhor ele ter agido dessa forma.

Wen Ning tomou um rápido desjejum com o leite, o pão e as frutas que haviam sobrado, depois arregaçou as suas mangas.
O General havia prometido a si mesmo que deixaria a casa impecável para quando Bai Renshu retornasse, então ele assim o faria. Ele deixou a cozinha e decidiu iniciar a arrumação pelo quarto de banho, já que este cômodo continha menos móveis.

 Assim que ele adentrou o recinto, reparou numa gaveta entreaberta.
"Sempre relaxado, né, Bai Renshu?" – ele reclamou em pensamento, meneando a cabeça em um sinal de desaprovação.
Quando aproximou-se para fechar a gaveta, Wen Ning viu dois pergaminhos e os examinou com curiosidade, mas quando abriu o primeiro, sentiu o seu coração apertar-se.
O primeiro pergaminho era a escritura da casa de Bai Renshu, o que deixou o General bastante tenso a respeito da possibilidade do cultivador quebrar a sua promessa e de nunca mais retornar.
Mas o segundo, foi uma punhalada direta no peito e fez com que o General caísse de joelhos ao ler os dizeres:

"Eu, Bai Renshu, nascido e elegido por este mesmo nome, declaro meu estimado amigo Wen Qionglin, nascido como Wen Ning, como o único herdeiro de todos os meus bens e pertences.
Que ele faça desta moradia o seu novo lar, usufrua com sabedoria da alta quantia que dispus em vida e que possa viver uma vida segura e tranquila.

Sem mais,
Bai Renshu "