Cap. 121 - Revelações - parte II: A aterradora ameaça

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Embora a manhã já houvesse despontado,  a suave luminosidade das lanternas de papel ainda difundia-se pelas treliças que separavam os demais ambientes daquela peculiar¹, porém acolhedora cozinha. Bai Renshu, seguido por Wen Ning, caminhava a passos lentos em direção ao espaço, continuando a mesma conversa que haviam iniciado anteriormente.

Ao cruzarem o limiar do cômodo, a expressão do cultivador tornou-se subitamente apreensiva. Seus olhos captaram a presença de um desenho infantil sobre a mesa de madeira, ao qual ele disfarçadamente deslizou para dentro da sua própria vestimenta, ocultando-o habilmente. Apesar da inquietação que se fazia presente, não perdeu a compostura e, com um sorriso cativante, estendeu uma cadeira a seu amigo adorado, colocando ali também duas almofadas para que ele melhor se acomodasse.

Um suspiro de alívio escapou de seus lábios ao perceber que Wen Ning não havia notado a constrangedora ilustração. Enquanto preparava o desjejum, um mingau doce elaborado com arroz glutinoso, açúcar em pedra e algumas jujubas² de seu próprio pomar, Bai Renshu compartilhava suas memórias:

— Então, após resgatar o bebê, me vi completamente perdido. Eu era um tutor inexperiente, com uma criança de peito que precisava ser amamentada e que chorava por razões que minha inteligência era incapaz de decifrar. No entanto, depois do ocorrido, minha já escassa confiança nas pessoas havia desaparecido por completo...

— Você podia ter confiado em mim – interpelou Wen Ning, deixando transparecer sua mágoa.

Bai Renshu exalou um suspiro pesaroso, e distribuindo a refeição em duas tigelas, respondeu:

— Eu sei, meu venerado. E eu confiava. Cheguei mesmo a considerar ignorar as ameaças daquele desgraçado e procurar por você, mas, naquela altura, eu já havia acumulado tantos pecados que não conseguia mais te encarar.

Wen Ning expressava seu agradecimento unindo as mãos e inclinando a cabeça enquanto seu desjejum cuidadosamente decorado era disposto diante dele na mesa. O guardanapo de pano meticulosamente dobrado no formato de uma rosa e o talher recém-polido até brilhar aguardavam seu uso, organizados com precisão milimétrica.

Por um momento, seus olhos se fixaram em Bai Renshu, que agora dispunha os mesmos itens para si. Observando que o cultivador não polira a própria colher, que não havia transformado seu guardanapo em uma flor, e que tampouco usara as jujubas para decorar sua refeição, Wen Ning sentiu-se constrangido pelo excesso de atenção com que era tratado. Ele massageou suas bochechas levemente coradas e, por fim, compartilhou suas conclusões:

— Sei que você se torna impiedoso sempre que alguém tenta prejudicar aqueles que você ama, mas também reconheço que isso ocorre devido ao seu senso de justiça, não por simples maldade. Não posso dizer que eu aprove os seus métodos, mas, Renshu, dificilmente alguém não surtaria depois de tudo o que você passou! Sendo assim, eu não iria te julgar...

Apesar da imensa vontade de se aconchegar ao lado dele, Bai Renshu educadamente dirigiu-se para o lado oposto e ocupou seu lugar à mesa. De forma inconsciente, ambos suspiraram e pegaram suas colheres simultaneamente, mexendo seus congees³ em círculos perfeitamente sincronizados. Enquanto o mingau era lentamente esfriado, Bai Renshu pronunciou-se, mantendo seu olhar fixo na tigela:

— Mesmo que não, querido Ning. Mesmo se não houvesse esse detalhe. Com que cara eu chegaria em você com uma criança nos braços, depois de meses sem lhe dar notícias, e diria: "E aí, Wen Ning, tudo bem? Eu sumi, né? Foi mal... É que eu 'tava ocupado enchendo o cu de álcool e matando um monte de gente por aí. (...) Olha, tá vendo tá vendo essa coisinha com cara de joelho, toda besuntada na própria merda e berrando com a fúria de mil cabritos? Então... é um bebê. Legal, né? Eu o trouxe aqui pra você me ajudar a criar."?  

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