Tornando a encarar o rosto de Wen Ning, Bai Renshu respirou fundo e então confessou:
— Ning, na verdade, embora eu não me sinta mesmo à vontade para te falar isso, existe, sim, uma coisa que há muito tempo eu estou querendo te dizer...Ao ouvir essa frase, Wen Ning sentiu seu coração até falhar uma batida. Ele encarou ansiosamente aquele rosto bonito e disse cheio de expectativas:
— Fala, Renshu. Não tenha medo, pode falar! O que é que você gostaria de me dizer?
Bai Renshu entrelaçou as próprias mãos e as pousou sobre o seu abdômen, na altura de seu estômago. Parecendo demasiadamente tímido e apreensivo para poder encará-lo, o cultivador virou-se de costas para o General e lhe disse:
— Não sei se eu devo. É sobre algo que eu preciso tanto que já está me corroendo por dentro, mas não sei como você irá reagir...No intuito de lhe passar confiança, Wen Ning tocou gentilmente um dos ombros de Bai Renshu e lhe disse em uma voz amena:
— Diga, querido Renshu. Eu garanto que não reagirei mal. Diga...
Bai Renshu virou-se na direção de seu amado, entrelaçou suas duas mãos nas dele e iniciou seu hesitante discurso:
— Ning, eu...
O cultivador beijou ambas as mãos que ele segurava, depois as juntou sobre o próprio peito, na altura do coração, e disse olhando nos olhos do outro:
— Tenho fome, mas os peixes queimaram.— O quê?! - disse o apavorado general, virando-se às pressas em direção à fogueira pra tentar salvar alguma coisa.
O travesso Bai Renshu caiu na gargalhada.
Aproximando-se sorrateiramente de Wen Ning e arrancando, de súbito, um dos peixes de suas mãos, o cultivador analisou aquela massa enegrecida e depois disse em tom de sarcasmo:
— Olha só! Um peixe-carvão! Esse eu ainda não conhecia...
Com uma expressão mal humorada, Wen Ning quebrou um pedaço do peixe carbonizado que ainda restava em sua mão e o atirou em Bai Renshu.
O cultivador desviou, achando ainda mais graça. Após esquivar-se, ele continuou a sua provocação:
— Oras! O que você esperava depois de tanto tempo? Uma sopa?! O seu olfato não funciona mais, General? Ou serão os seus miolos? Hahahaha! Eu já acordei com esse cheiro impregnado em meu nariz, não sei como você não o notou...
Wen Ning atirou nele o restante do peixe que ainda estava em sua mão e reclamou:
— É claro que funciona, seu chato irritante! É que graças a certas pessoas, eu fiquei tão preocupado que até esqueci dos peixes e acabei associando esse cheiro de queimado com a fogueira.
Bai Renshu riu, segurou e beijou a mão dele e depois lhe disse com maior seriedade:
— Gosto de ser um cavalheiro, mas será que desta vez eu poderia me dar ao luxo de pedir ao General Fortinho que nos traga outros peixes? Eu mesmo iria, mas... você sabe... ainda é dia. E eu não gosto que você fique sem comer.— Eu certamente irei, mas não pela fome do General Fortinho, e sim pela da minha Divindade Reluzente.
— Sua?
— Minha.
— Ora, ora, ora... E desde quando este General Fortinho tornou-se tão audacioso?Wen Ning enfiou a mão por dentro da roupa, tirou algo do pescoço e lançou para Bai Renshu.
— Desde quando este General aprisionou um pedaço de sua Divindade dentro desse artefato mágico!
Bai Renshu sorriu ao verificar que conteúdo daquela bolsinha era sua própria mecha de cabelo. Ele a guardou de volta, cuidadosamente a pendurou no pescoço do General e beijou demoradamente a sua testa. Depois disso, o cultivador sentou-se de frente para Wen Ning, abraçou as próprias pernas com seu queixo apoiado nos joelhos, deu um suspiro apaixonado e permaneceu naquela posição, fitando-o com grande fascínio e um sorriso tolo estampado no rosto.
Mesmo esforçando-se para ser mais corajoso, sob aquele olhar, a frágil audácia de Wen Ning desabou e ele acabou enrubescendo.
— O q-que fo-foi? - ele perguntou, terrivelmente constrangido.
— Você esteve carregando isso com você esse tempo todo? - perguntou o Bai, com seu sorriso tolo.
— Si-si-sim.
— Que fofo! Eu não imaginei que você a guardaria.
Vermelho como brasa, Wen Ning permaneceu em envergonhado silêncio.
Saindo de seu torpor apaixonado, Bai Renshu deitou-se displicentemente com as mãos cruzadas sob a nuca e comentou em tom casual:
— Bom, nesse caso, eu terei que me esforçar em dobro para cumprir a minha promessa de uma maneira menos trágica.
Wen Ning abriu um sorriso largo e perguntou com animação:
— Você está me dizendo que não quer mais morrer?
— Eu nunca quis morrer, Ning. Eu prefiro morrer. São coisas diferentes...
O sorriso de Wen Ning imediatamente desmanchou-se. Ele abaixou sua cabeça e comentou de maneira melancólica:
— Então eu não sei se eu entendi...
O cultivador sentou-se novamente, ergueu delicadamente a cabeça do General pelo queixo, fitou seus olhos e explicou:
— Ning, eu não me importo com a dor física. Não porque eu não a considere desagradável, mas porque isso pra mim é algo insignificante, se comparado à dores muito superiores. E atualmente, há apenas duas dores no mundo que eu considero insuportáveis: a primeira é o fato de te prejudicar e a segunda, ficar longe de você. Se eu não puder evitar as duas coisas, todos os meus esforços se concentrarão na primeira – que é a que eu considero mais importante, mas se eu puder evitar as duas... você não tem ideia de o quanto isso me faria feliz!
— Acho que eu tenho ideia, sim, Renshu...
— Tem?
— Já se esqueceu de tudo o que eu te confessei?
— Ahn... err... é... provavelmente você tem...
— O que, em outras palavras, significa que sentimos algo parecido, não?
— Sim... Quer dizer, NÃO! Ou melhor... mais ou menos! Porque eu gosto DEMAIS de você, só que... hum... como amigo. Enfim! Ahn... err... você não ia lá buscar os peixes?
— Eu vou, só estou criando coragem...
— Por quê?Wen Ning lançou ao outro um olhar apreensivo. Após uma pequena pausa, ele emitiu um suspiro melancólico e depois falou:
— Por que você acha?
— Ah sim... Você quer que eu volte lá pra dentro? - respondeu o resignado Bai, apontando na direção da jaula com o dedo polegar.
— Eu não quero, mas queria muito ter a certeza de que você ainda estará aqui quando eu voltar...Bai Renshu segurou e acariciou as mãos do outro, ofereceu-lhe um sorriso e lhe disse:
— Eu estarei.
Wen Ning apertou as mãos dele e lhe pediu, com seu olhar suplicante:
— Você promete?Bai Renshu retribuiu aquele aperto de forma mais leve e respondeu:
— Se aquela ira bestial não me assolar nesse meio tempo, você tem a minha palavra.
Wen Ning soltou as mãos dele e lhe lançou um olhar arrasado, mas Bai Renshu continuou:
— Ning, me perdoa... Eu posso prometer não agir mais por precipitação, mas não posso permitir que meu pior medo se concretize e se torne a minha pior dor. Me desculpa, mas eu tenho as minhas prioridades..."Que, no caso, é você" – ele emendou, em pensamento.
Wen Ning tentou evitar, mas seus olhos encheram-se de lágrimas. Bai Renshu o puxou para um abraço, acariciou os cabelos dele e lhe disse com carinho:
— Ning, eu sinto muito, mas como eu já te expliquei, essas veias estão muito próximas da minha cabeça. Se acontecer mais uma vez, será a última... De que adiantará continuar desse jeito?
Wen Ning se desvencilhou daqueles braços e limpou suas lágrimas com as mangas da própria túnica. Com o coração dilacerado, o olhar fixo na parede e uma voz embargada, ele lhe falou:
— Está bem, Renshu. Você não sabe o quanto isso me dói, mas se é o que você deseja, eu não irei mais forçá-lo.
"Só não espere que eu tenha desistido de fazer a mesma coisa" – disse Wen Ning, em pensamento.
Novas lágrimas se formaram nos olhos do General, mas dessa vez foi Bai Renshu quem gentilmente as limpou. Em uma voz chateada, o cultivador lhe falou:
— Não fique assim, meu venerado... me corta o coração ver você desse jeito.
Inconformado com o pedido, Wen Ning respondeu:
— E ao meu, estraçalha saber que corro o risco de perder o amor da minha vida! E desintegra saber que a situação do meu grande amor é ainda pior do que a minha... Então me desculpe, mas não há como ser diferente.
Imediatamente após dizer isso, Wen Ning arregalou seus olhos e desesperou-se em pensamento:
"Droga, droga, droga! O que eu estou dizendo? O que eu estou fazendo?! Ele não pode ficar triste também!"
Wen Ning limpou suas lágrimas de novo, se forçou a colocar um sorriso no rosto e depois corrigiu-se:
— Me desculpa, eu exagerei! Vamos pensar positivo, certo? Teremos sorte, isso não vai acontecer! Com toda a certeza a minha Divindade Reluzente continuará a me perturbar pelo resto da vida!
— Te perturbar? Oras, mas quanta insolência! Não sabes que sou o Deus do Exagero? Eu poderia exageradamente te punir agora mesmo!
— Me condenarias a ouvir o lamento de mil corações chorões enquanto me afogo em rios de sangue, vossa divindade?
— Só depois de te condenar à fúria de mil mordidas! - respondeu o Bai, cravando, de levinho e por brincadeira, os dentes no braço do outro.
Wen Ning enrubesceu, tremeu, quase desfaleceu... mas mesmo terrivelmente envergonhado, ainda assim ele ousou dizer:
— Na-na-não po-poderia ser a fúria de mi-mil be-be-be-beijos?
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O Legado da Carne
Hayran KurguDois anos após tornar-se independente de Wei Wuxian, seu antigo mestre, o ainda temido e odiado "General Fantasma" tornou-se um andarilho solitário que vagava o mundo eliminando monstros e sobrevivendo humildemente de pequenas recompensas. Enquanto...