Capítulo 38

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— Ah! O senhor acordou! - exclamou a jovem senhora, prontamente ajudando Wen Ning a erguer-se sentado e lhe servindo um copo de água, assim que notou seus confusos olhos se abrirem.

Wen Ning, que estava com a boca seca, bebeu o conteúdo do copo em um só gole e o devolveu com um agradecimento. Em seguida, ele perguntou:
— Onde eu estou? Este é o seu quarto? Por quanto tempo eu dormi?

— É sim! - disse a mulher com alegria. — O senhor dormiu por quase um dia completo. Se sente bem agora?

— Fisicamente, sim – respondeu o Wen, um tanto cabisbaixo. — Mas onde está seu marido? Imagino que eu deva agradecer aos dois...

— Vamos embora hoje, então ele foi despedir-se da família, mas concordamos que seria melhor ele ir sozinho e dizer que eu estava indisposta. Sabe... para o caso do senhor acordar de repente e não entender o que estava se passando...

Wen Ning levantou-se da cama, uniu seus braços em forma de arco e realizou uma abrangente reverência.
— Não tenho palavras para agradecer a ajuda de vocês dois.

A mulher sorriu.
— Então não diga nada! O senhor também já nos ajudou muito, não se preocupe com isso.

— Mesmo assim, muito obrigado.

— Não por isso!

Wen Ning deu um suspiro resignado.
— E o médico, como reagiu?

— Olha, eu acho que ele deve desconfiar que eu te ajudei, porque primeiro houve um alarme falso sobre a grávida, depois eu tive que simular um desmaio lá no salão e logo em seguida ele deve ter percebido que senhor sumiu do quarto. Só que hoje, quando nos cruzamos no corredor, ele me perguntou se eu estava bem e agiu de forma bastante tranquila e simpática, como se nada tivesse acontecido. Eu não sei, viu... mas tenho muita agonia daquele homem... Eu acho ele tão frio e manipulador, que chega a me dar arrepios!
— Ainda bem que vocês vão embora hoje. Fico mais tranquilo em saber disso.
— Sim, sim. Esse é, com certeza, um dos motivos.
— Hum... Senhora, eu posso lhe fazer uma pergunta sobre o seu dom?
— Uhum, fique à vontade.
— Eu já perdi muitos entes queridos, mas em especial, eu perdi dois que eu amava muito. Você acha que... a "voz na sua cabeça" lhe dizendo que eu corria perigo, talvez...

Adivinhando o restante da pergunta, a mulher lhe respondeu sem demora:
— Se algum deles possui pendências e não conseguiu a fazer a passagem, é perfeitamente possível. Mas o senhor é uma pessoa boa, então pode também ser apenas algum espírito que, por algum motivo, lhe tenha simpatia.

— Eu acho que minha perda mais recente possua essa pendência. Você acha possível que... se você o chamasse, você sabe... eu poderia conseguir conversar com essa pessoa?
— Eu sinto muito, senhor Wen, mas eu não tenho esse poder. São eles que escolhem se manifestar e não o contrário.
— Entendo...
— Senhor Wen, eu posso ver que o senhor está muito abalado pela sua perda, mas como estou indo embora e o meu coração está um pouco apertado, eu posso ser um pouquinho insensível e lhe pedir uma última ajuda?
— Sim, claro.
— Agora que eu vi o que aquele crápula fez com o senhor, me preocupa ainda mais aqueles meninos entrando naquele quarto. E eu vi um fazendo isso agorinha há pouco... o senhor poderia verificar, por favor?
— Depois do que ele tentou fazer comigo, eu já pretendia investigar esse fato.

A mulher deu um sorriso satisfeito.
— Eu não esperaria menos do senhor!
E em seguida, ela adicionou de um modo preocupado:
— Mas por favor, tome cuidado.

Wen Ning assentiu.

Antes de Wen Ning partir, a jovem senhora lhe entregou dois pãezinhos embrulhados em um pano e insistiu para que ele os comesse. Após agradecê-la e despedir-se, Wen Ning partiu mastigando um dos pães e guardou o outro para comer mais tarde. O General deu a volta no estabelecimento pelo lado de fora e, como não havia ninguém nos arredores, escalou o mesmo pilar de outrora e esgueirou-se até a janela do quarto dezesseis.
Ao espionar através da abertura, Wen Ning flagrou a chocante cena do velho, em pé, recolocando as calças, enquanto lançava um punhado de dinheiro no rosto de um garoto adolescente que estava ajoelhado de frente pra ele. Com um semblante assustado e os seus lábios vermelhos e inchados, o garoto franzino recolheu desesperadamente as moedas do chão, ergueu-se com seus olhos lacrimejando e depois foi embora correndo. O médico reagiu como se o que tivera acabado de fazer fosse algo completamente corriqueiro e voltou aos seus afazeres como se nada tivesse acontecido.

O Legado da CarneOnde histórias criam vida. Descubra agora