Tempestade

36

Núbia

Hoje eu precisei de mais uma folga, desde o meu aniversário que tenho me proporcionado alguns momentos de sossego.

A vida não é mais a mesma quando você entende que as coisas podem sim ficar pra depois, que nada mais vale do que o seu descanso, do que o seu bem-estar.

Seu trabalho pode sim ficar em segundo lugar, o que te faz um bom profissional é a carreira e não a supervalorização do seu emprego.

Não é egoísmo querer um tempo longe do seu parceiro, porque antes de ser conhecida como namorada, noiva ou esposa você é mulher.

Querer umas férias dos seus filhos também não te faz uma péssima mãe, crianças são seres abençoados, mas sugam toda nossa energia e paciência. Tá tudo bem querer ser o centro das atenções de vez em quando.

Tento ao máximo deixar as meninas independentes assim como fiz com o Guilherme, mas eu ainda não me sinto segura pra deixar elas duas em casa sozinhas.

Uma porque nós moramos num ambiente completamente instável, duas porque a gente não sabe a maldade no coração alheio.

Deus me livre de acontecer alguma coisa com as minhas filhas, nunca iria me perdoar!

Por esse motivo, minha tia veio ficar com elas pra eu poder ter um refresco. Arrumei minhas coisas, troquei de roupa e saí de casa.

Fui de ônibus pra praia, queria ter tempo o suficiente pra começar a minha reflexão antes de chegar aqui.

Isso tem feito bem pra mim, tem feito bem pro meu relacionamento com os meus filhos e com o meu noivo, graças a Deus!

Passei o dia sozinha, respirei. Celular desligado, não quero ser encontrada. No final do dia parei na orla, sentei num quiosque e pedi uma cerveja, nada melhor pra desanuviar mais ainda a mente.

Olhei bastante o lugar, as pessoas e me deparei com um casal que me faz lembrar aquele meu ex do final da adolescência sabe ?

Talvez seja o álcool e sol que tomei na cabeça durante o dia falando mais alto, mas apesar dos pesares, foi uma coisa bem positiva.

Eu me senti em tempos passados, passava cada perrengue e era muito feliz. Não que não seja agora, mas ainda sinto falta do pouco da juventude que já se foi.

Lembro que eu e o "falecido" vinhamos quando sobrava um tempinho, no início era um pacote de biscoito globo e um copo de guaravita pra duas pessoas, quando ele fez a graça de entrar pro movimento a gente "ostentava" um pouquinho mais.

As vezes me pego pensando o que teria sido das nossas vidas se eu não tivesse levado a minha promessa a ferro e fogo, será que eu e Naninha ainda estaríamos juntos ?

Será que a gente teria tido um casal de filhos ?

Uma casa no morro ?

Eu seria mulher de trabalhador ou de mavambo ?

São tantas perguntas viu ? Cheguei a dar risada, paguei minha conta e vim embora pra casa, tô pensando besteira já.

Guilherme - Bebeu né dona Bia !? _ falou quando cheguei no portão.

Núbia - Bebi sim, te amo viu ? _ beijei o rosto dele.

Guilherme - Também te amo mãe, bem mais do que você se quer pode imaginar.....

Entrei no meu barraco, fiz bastante carinho nas minhas meninas, conversei com dona Josélia e tudo, as coisas mudam.

Nem perguntei a minha tia se ela tava precisando de alguma coisa, peguei dinheiro na caixinha e dei, nada muito perto dos apertos que Zelinha me livrou de passar.

Botei as meninas pra cama, falei pro Gui entrar, tem que ficar dando bobeira em portão não. Tomei um banho, botei pijama e antes de deitar tive que mexer nos meus guardados, lembrar do passado me deixa meio balançada.

É uma caixinha de sapato bem velha sabe ? Ali eu guardo umas fotos, presentinhos de quem já se foi da minha vida, aí quando dá aquele apertinho no peito abro pra ver. 

Era uma foto minha com o "falecido", não lembro onde estávamos, mas com certeza era aqui no morro.

Eu bem magra, cabelo médio, shortinho e blusa. Ele só de bermuda e boné enterrado na cara, a gente brigava, dois gênios podres, mas sempre juntos.

Núbia - A gente era feliz pra caralho antes de tudo virar pó, né !? Hoje em dia nem sei onde você está.... _ fiz carinho na foto e guardei.

_______________________

19/01/2022