Ao Som do Coração

Capítulo 6

Uma fresta de sol brilhou em seu rosto causando um breve incômodo, tentou afastá-lo como se fosse uma mosca e como não teve sucesso, abriu os olhos lentamente e encarou uma janela desconhecida. Ficou um tanto confusa por um instante, levantou um pouco a cabeça enquanto seu olhar percorria os móveis estranhos que a cercava. Logo em seguida uma onda de sons tomou conta de todos os seus sentidos e por um breve minuto a dor aguda que acompanha toda a gama de sons da cidade a fez pressionar com força as mãos contra as orelhas e encolher o corpo junto aos joelhos.

— Bom dia.

O susto da voz de Lena rompendo toda aquela balbúrdia a fez cair do sofá e bater a testa no chão para logo em seguida flutuar até bater as costas no teto.

— Desastrada. Pensei que fazia parte do seu disfarce, me enganei.

Lena passou calmamente por onde ela estava e olhou para cima:

— Deixei o desjejum pronto caso queira comer antes de sair. Você come, não é? — um pequeno sorriso brotou no canto de seus lábios. — Surgiu um imprevisto e tenho que estar na L-Corp em meia hora por isso não vou te esperar. É só encostar a porta quando sair. — Já estava com a mão na maçaneta quando se virou para Kara mais uma vez. — E Kara, por favor, saia pela porta e não pela janela, ok? Está ficando muito difícil explicar aos vizinhos a presença constante da Supergirl por aqui.

Sem mais nenhuma palavra, Lena deixou o apartamento. Kara percebeu que ainda estava flutuando e despencou do teto com um pequeno “ai” quando chegou ao chão. “Mas que droga!” Tão logo se recompôs e ficou de pé deu mais uma boa olhada ao redor e os estilhaços de vidro na varanda de Lena lhe trouxeram a lembrança da noite passada.

Lembrou-se de todos os minutos em que ficara nos braços dela, de seu cuidado em levá-la para dentro do quarto antes de chamar a polícia que levou preso Trevor, de seu pedido para dormir em seu sofá para poderem conversar melhor quando o dia amanhecesse, do cheiro de Lena no pijama que esta lhe emprestara, de dormir uma noite inteira como a muito tempo não fazia. Mas agora ela se fora, sem uma conversa decente, sem lhe dar a chance de sequer lhe dizer bom dia.

***

Fugiu. Covardemente. Essa era a verdade. Lena tinha plena consciência disso enquanto seu carro percorria as ruas ainda livres de National City. Mas o que poderia fazer se ao ver Kara dormir tão docemente em seu sofá se enchera de pavor e em completo estado de pânico, fugira? Nada. Agora o remorso de sua atitude lhe devorava o estomago. “Mas também ela tinha que ser tão, tão...” covarde! Nem em pensamento conseguia expressar a verdade sobre tudo o que sentiu ao ver Kara dormindo em seu sofá.

A lembrança veio-lhe à mente sem pedir licença: os fios de cabelo cobrindo seu rosto, a mão de dedos perfeitos que repousava sobre sua barriga que fazia o leve movimento de sua respiração, até mesmo a tentativa infantil de tirar o sol de sua face para ficar um pouco mais no mundo dos sonhos. Tudo em Kara de repente parecia tão certo, tão perfeito.

Como se fosse a coisa mais certa do mundo ela estar ali, em seu apartamento, dormindo em seu sofá. Mas então ela abriu os olhos e algo a perturbou profundamente, sua expressão mudou e parecia sentir dor. Quando Kara levou as mãos aos ouvidos apertando-as fortemente, entendeu a razão de sua dor e lembrou-se de quem Kara era, a Supergirl!

O desapontamento da mentira e todas as suas ações subsequentes a este fato ainda estavam em seu coração e levaram para longe o breve encantamento. Como quem foge da cruz tratou de deixar o apartamento o mais rápido possível, mas agora enquanto subia pelo elevador em direção a sua sala o “se” fazia inúmeras conjecturas em sua mente.

O caminho do elevador até a sua sala foi feito em meio às inúmeras dúvidas que povoavam em sua mente; o silêncio da empresa que amanhecia antes da chegada dos funcionários só contribuía para o turbilhão de emoções que passavam dentro de si. Estava tão concentrada em si mesma que não percebeu a visita indesejada que a esperava sentada atrás de sua mesa de vidro.

— Bom dia pequenina.

— Lex!!! Mas que merda! Quer me matar do coração? — Disse Lena ao mesmo tempo que pulava de susto levando a mão ao peito.