Destruindo a própria vida

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P.O.V PEDRO

Durante toda a semana tentei ignorar a conversa que tive com o Sam na delegacia e consegui com certo êxito não me afundar. Katy estava por perto, de alguma forma milagrosa ocupando todos os meus pensamentos, sem me deixar espaço para lidar com minha consciência pesada. Mas assim como o Lúcifer, eu fui enxotado do paraíso no instante em que encontrei com o Sam no churrasco.

Ele estava na minha área, conversando com meus amigos, cumprimentando a minha namorada... testando os meus limites. Não o queria lá, sua presença me fez perceber o quanto a paz é um estado frágil. Se ele abrisse a boca e contasse sobre as novas evidencias no caso do Diego, eu perderia tudo o que reconquistei a duras penas.

Todas aquelas pessoas, Will, Thomas, Louise, Maite, até mesmo a Katy se afastariam de mim, e com razão, no instante em que descobrissem a verdade. Essa possibilidade me deixou nervoso, de um modo que eu não ficava há muitos anos e eu conhecia muito bem o elixir capaz de me distrair do caos eminente.

Achei que só um gole aplacaria a minha necessidade, mas estava errado, assim como todas as outras vezes que disse isso a mim mesmo. Não bebi demais, cinco garrafas não derrubam ninguém normal, a não ser um alcoólatra em remissão.

Quando bebemos não esperamos que o efeito de torpor vá passar, entretanto, ele acaba e traz junto a vergonha. Droga, o Will me viu bêbado, a pessoa que mais apostou na minha recuperação estava presente quando eu recaí... eu dirigi bêbado, coloquei a Katy em risco, por Deus, que merda eu estava pensando.

Minha cabeça agora lateja, não vou reclamar, eu mereço... é a próxima fase da recaída, o desprezo por si mesmo.

— Não me odeie. – Murmuro para a Katy com a voz arrastada me virando sobre o colchão para abraçar o seu corpo, mas despenco sobre o piso duro. — Porra! – Exclamo me encolhendo quando meu ombro dói por causa do impacto.

Abro os olhos, e sinto como se houvessem facas cravadas neles, pisco várias vezes para me adaptar a claridade. Noto que não estou no quarto como imaginei, permaneci na sala após transar com a Katy e caí porque seu corpo não estava ao meu lado no espaçoso sofá.

— Katy! – Chamo pelo seu nome e sinto no ar o cheiro de massa vindo da cozinha. — Katy, meu bem. – Me levanto e pego a manta sobre o sofá, a enrolo nos quadris e vou atrás dela no quarto.

Não há sinal seu na cama que permanece arrumada, nem no banheiro que está com uma vela aromática acessa, a única coisa diferente é uma mala de mão no canto do quarto. Ela não está no meu quarto de pintura também, graças ao bom Deus, pois durante a noite esbocei vários desenhos dela e eles estão espalhados no chão, alguns pregados na parede... pareço até um daqueles perseguidores obcecados. Fecho a porta e volto para a sala, tomo um susto ao ver minha mãe descendo pela estreita escada que dá acesso ao telhado.

— O que você está fazendo aqui? – Pergunto apertando a manta com mais força.

Ela me encara com os olhos azuis claros, e eles não são nada gentis, nem nervosos como quando ela me dá alguma bronca, eles parecem decepcionados.

— Vá tomar um banho gelado e a gente conversa. – Ordena ela antes de se voltar para a cozinha.

Correndo um sério risco de levar uma boa palmada – porque a contrário da maioria das famílias, minha mãe cultiva a crença de que se ela pariu, ela pode bater até quando achar necessário –, a sigo em direção a cozinha.

— Onde está a Katy? – Pergunto me encostando na ilha central.

Ela abre um dos fornos e retira uma forma de cookies e usa uma espátula para fazê-los soltar do fundo, ignorando a minha pergunta.

Anjo Negro [CONCLUÍDO]Onde histórias criam vida. Descubra agora