Brilha, brilha, estrelinha

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P.O.V Pedro

Permaneço encarando o celular em minhas mãos, o segurando com força até meus dedos doerem e o fogo da lareira apagar. A esperança é algo tão perigoso quanto a sobriedade, você acha que pode ir mais longe, conquistar o impossível, mas na verdade está mais perto do abismo, basta um simples farfalhar do vento e você despenca. É assim que me sinto agora, despencando num buraco escuro, sem nunca achar terra firme para sinalizar que acabou e que poderei recomeçar de novo, como sempre faço.

Acompanho o dia amanhecer pelos enormes vitrais da ampla sala sem móveis algum, de linóleo recém trocado e polido. Há neve aos montes, cobrindo a entrada, sobre o para-brisas do meu carro e nos galhos dos pinheiros que ladeiam a pista. Após algum tempo o caminhão passa limpando a rua, empurrando os montes de neve suja para o acostamento.

Imagino que tenham aberto a estrada, que estou livre para ir, mas ir aonde?

"Você não está entendendo, Pedro. Eu quero terminar, quero a minha vida como ela era antes. Quero ser apenas a Katy Alyson, que não tem compromisso com nada e está focada na carreira... isso tudo, nós, o noivado, a mudança, é demais para mim. Talvez seja por conta da idade, eu não sei, mas só tenho vinte e três anos, Pedro, não preciso de toda essa responsabilidade agora."

Suas palavras ficam ecoando em minha cabeça, servindo de companhia durante o dia frio. A vida como ela era antes... eu com certeza não quero a minha vida como era antes dela aparecer, aquela merda nem era vida, eu passava a maior parte do tempo alcoolizado, fazendo merda comigo mesmo e àqueles que me amavam. O noivado... para mim ela sempre foi a pessoa certa, a única com quem eu gostaria de passar o resto dos meus dias. A mudança... isso me parecia o ideal, um lugar novo para nós dois, sem histórias ruins a serem contadas sobre o passado, apenas dias felizes e juntos em algo que planejamos.

Olhando novamente, não sei se teria feito algo diferente, todas as decisões e palavras ditas estavam lá por um motivo, eu a amo. E sei que ela sente o mesmo por mim, ninguém finge tão bem, eu estava lá, eu vi e senti. Talvez no passado fosse o tipo de pessoa que misturava realidade com minha confusão mental provocada pelo álcool, agora não, tudo o que passamos juntos foi bem lúcido.

Nos meus trinta e cinco anos já tenho maturidade o suficiente para saber pensar antes de agir, e é isso que faço. Por mais que queira pegar a estrada em direção a Chicago outra vez e resolver tudo frente a frente, o que eu diria a ela? Provavelmente algo desesperado como "volte para mim, não sei viver se você", mesmo sendo uma verdade, soaria mais patético do que convincente.

Nesses meses convivendo com a Katy aprendi que tenho que decifrá-la, pois nada que ela me dá vem de bandeja, creio ter sido isso a me conquistar de antemão, uma mulher misteriosa de olhar profundo e palavras ferinas, me afastando cada vez que eu ousava chegar perto. E agora ela torna a me afastar, justo quando estávamos cheios de esperança, essa palavra perigosa. O abismo estava lá o tempo todo, coberto por folhas e galhos, esperando o primeiro passo em falso, mas tudo era tão bom pela primeira vez em tanto tempo, me levando a acreditar que poderíamos saltar juntos sobre ele.

De maneira alguma a culpo por ter receio, ainda mais quando ela está vencendo sozinha uma luta que travou durante a vida inteira. Qualquer pessoa sã se afastaria de alguém que tem um alvo na testa, eu mesmo gostaria que ela tivesse feito isso antes para não se ferir, mas não conseguia abrir mão dela, como um maldito garoto que ganha aquilo que sempre pediu nos natais.

Gosto de pensar que conseguiria protegê-la de tudo, mas que provas dei disso até o momento? Desde que me conheceu, a Katy já sofreu inúmeros atentados, e agora uma ameaça direta da minha "falecida" esposa.

Anjo Negro [CONCLUÍDO]Onde histórias criam vida. Descubra agora