Carnificina

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P.O.V PEDRO       

   O espaço ao lado no colchão está vazio e frio quando acordo, ela deve ter saído de fininho enquanto eu dormia. Me espreguiço sentindo a tensão de cada músculo do meu corpo, mesmo com preparo físico é um tarefa e tanto saciar a Senhorita Alyson. Meu estômago ronca alto rompendo o silêncio do ambiente. A luz que entra pela sacada está forte, já deve ser quase hora do almoço.

    Me surpreendo ao ver no celular que na verdade dormi mais do podia, já está perto das duas da tarde. Vou apressado rumo ao banheiro para tomar um banho, ainda tenho que almoçar antes de ir para academia, para então passar a noite no meu plantão mensal trabalhando com pastas mofadas de arquivos.

   Assim que a água quente do chuveiro cai sobre minhas costas me encolho, sentindo a mesma sensação de espremer limão na ferida. Vou até o espelho e vejo sobre o ombro as listras ressaltadas, com marcas de sangue em alguns pontos, aquela vagabunda havia me rasgado com as unhas.

— Isso vai ter volta, Katy. - Murmuro voltando ao meu banho, dessa vez tomando cuidado com a carnificina feita na minha pele.

  No caminho para o restaurante até encostar no banco do carro me deixa desconfortável, felizmente uso uma camisa escura, pois tenho certeza de que uma clara ficaria toda manchada em tons de vermelho.

    O Domas está quase vazio quando entro, Sarah me recepciona e vamos até uma mesa afastada, peço a sugestão do chefe e ela sai tropeçando nos próprios pés. 

  Verifico minhas mensagens enquanto espero pelo almoço, algumas do pessoal do DP perguntando se eu havia chegado bem, o que confirmo. Outra da minha mãe avisando sobre um almoço que acontecerá daqui há duas semanas, e uma da Sol pedindo para levá-la à um show do Imagine Dragons que terá na segunda. Mando um Ok para a minha mãe, e digo à Sol que irei checar na minha agenda se posso levá-la.

   Bolarei uma desculpa melhor até o dia para não ter que levá-la, não estou mais com idade de ser espremido por uma multidão de jovens fedendo maconha.

   O próprio Thomas trás o meu almoço e se senta à mesa, para me acompanhar.

— Ossos do oficio.  - Diz ele ao servir o nosso vinho. — Trabalho com comida o dia inteiro e só posso comer quando já é de tarde. Mas e você, meu amigo, por que almoçar a essa hora?

— Acordei tarde demais. - Respondo analisando o prato, em termos de cozinha ele só perde para a minha mãe. — Fui à uma boate ontem com o pessoal da delegacia, e acabei voltando acompanhado para casa.

— Gata? - Ele pergunta arqueando a grossa sobrancelha preta.

— Gata é apelido, ela é uma baita de uma gostosa. Mas juro que eu estrangularia aquela mulher se tivesse a chance, ela deixou minhas costas na carne viva. - Digo fazendo uma careta, ainda está ardendo como o inferno.

   Thomas gargalha até ter de suspirar para voltar ao normal.

— Meu amigo, as desse tipo são as piores. Fazem isso para marcar território e evitar que você transe com outra até se encontrarem de novo.

 Começo a gostar um pouco mais da obra de arte em minhas costas, se realmente ela fez isso com a intenção de termos uma segunda vez juntos, posso aturar uns arranhadinhos.

— Como vai a Bel? - Pergunto mudando de assunto.

— Ela vai bem, aceitou um convite para umas fotos de uma marca aí.

  Pelo tom de voz dele, entendo que diferente dela, ele não está nada bem com isso.

— Acontece. Ela é como minha mãe, nunca deixará de ser uma miss.

    Minha mãe havia sido finalista do miss Suécia de 78, e só não ganhou porque a desclassificaram ao descobrirem que estava grávida. Até uns dez anos atrás ela ainda era convidada para participar de bancas avaliadoras dos concurso de beleza no interior e ia usando faixa e coroa. Ela consegue ser bonita mesmo após ter parido três filhos, e passado dos cinquenta há alguns anos.

   Thomas bufa e vira o vinho num gole só. Nós terminamos de almoçar em silêncio, ele conta algumas novidades sobre as crianças, como toda pessoa que tem filhos faz. Fico pensando se um dia serei assim.

   Passo as horas seguintes na academia, testando a minha resistência, se um dia voltar à ativa, conseguirei ser o policial mais rápido que Chicago já viu. 

   Antes de ir para o DP paro em uma farmácia a fim de comprar algum balsamo e passar nas costas, que ainda ardem, principalmente depois de eu tê-las forçado no treino. O atendente me prescreve uma pomada e empurro uma nota de vinte para ele, quando me viro para sair topo de frente com a amiga bêbada da Katy que recua alguns passos ficando vermelha.

— Oi. - Digo amigavelmente. — Você tá melhor?

   Ela franze o cenho me analisando e depois abre um enorme sorriso.

— Nós já nos conhecemos? - Ela arqueia a sobrancelha bem desenhada e morde o lábio inferior.

  Novidade, uma bêbada que perdeu a memória da noite anterior.

— Eu sou Chris. Estava com a Katy, ontem, quando você desmaiou. - Explico achando graça da sua reação.

     Ela vai de sedutora à chocada em alguns segundos, então me analisa dos pés à cabeça repetidas vezes antes de dizer algo.

— Aquela piranha tinha razão, você é gostoso pra caralho. - Ela arregala os olhos e balança a cabeça me aprovando.

    Rio... então as duas já haviam conversado sobre mim. E não há ninguém no mundo que conheça uma mulher tão bem quanto sua melhor amiga, essa maluca pode ser útil.

— E o que mais ela disse? - A instigo a continuar.

— Nada demais. - Ela responde olhando a caixinha de pomada na minha mão. — Vocês dois são intensos, em.

— Sei. - Murmuro ignorando seu comentário. — Vocês duas são melhores amigas, me ajuda aí.

— A chegar no coração da fera?

   Eu não exageraria tanto, tenho meus motivos para querer conhecer a Katy melhor, mas nenhum deles é romântico.

— Tipo isso. - Digo.

— Ela é dura na queda, não vai ceder só por causa de um sorriso charmoso ou de uma foda bem dada... no caso, nove fodas bem dadas. - Ela completa rindo alto.

  Olho envolta para averiguar se há alguém escutando o que sai da boca dela.

— Então vou ter que jogar pesado. - Afirmo para mim mesmo.

— Cuidado para não levar uma bolada no meio da cara nesse seu joguinho. A Katy não brinca em serviço. - Ela diz séria demais, não sei se é para defender a amiga ou alguma outra coisa.

— De qualquer forma, obrigado. - Agradeço estendendo a mão para ela.

   Deixo a amiga maluca para trás e vou em direção à delegacia e minhas malditas pilhas de arquivos.


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Anjo Negro [CONCLUÍDO]Onde histórias criam vida. Descubra agora