A primeira esposa

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POV PEDRO

Estar fora da polícia é algo que deixa mal, não do tipo "que vontade de chorar", mas fico mal-humorado, é como se eu enxergasse tudo através de um filtro cinza que absorve todas as coisas boas. Dediquei quase metade da minha vida à corporação, e ganho como recompensa um belo pé na bunda, isso é para deixar qualquer um com raiva.

A única resposta que tenho é "espere, Collins", eu não quero esperar, meu corpo formiga pedindo por ação. Preciso colocar meu uniforme, empunhar uma arma e fazer minhas rondas, é quase uma necessidade tão trivial quanto comer e dormir. Talvez eu devesse seguir o conselho da minha mãe e ir trabalhar em outro ramo, modéstia parte, eu sou bom em tudo que me disponho a fazer, o problema é que eu não quero fazer outra coisa.

Tanta energia acumulada lutando para sair, me rendeu uma semana bem ativa, organizei sozinho a exposição, treinei hóquei por horas seguidas, fiz algumas corridas extensas e transei com a Katy mais do que nos últimos anos do meu casamento. Uma rotina invejável para muitas pessoas, no entanto, meus pais me criaram à moda antiga, seguindo os sermões dos cultos dominicais, onde aprendi que o trabalho dignifica o homem. E minha mãe também ouviu esses mesmos sermões, por isso não hesitou em me chamar para uma maratona de serviços domésticos, pois segundo ela não importa o trabalho, todos dignificam igualmente.

— E depois que fizermos esses canteiros, iremos ao supermercado. – Diz a dona Alexia, me empurrando uma caixa de ferramentas de jardinagem.

— Sério? – Rolo os olhos. — Fomos ao supermercado hoje de manhã.

— Gosto de comprar carnes frescas para o jantar.

— E eu gostaria de ser deixado em paz. – Retruco em voz baixa, colocando a caixas de ferramenta no chão.

— O que disse? – Ela pergunta, sei muito bem que ela escutou.

— Nada. – Respondo e pego uma pá para começar a cavar os canteiros.

Odeio esses canteiros desde que era criança, nunca pude ter um cachorro por causa deles. Já o Diego adorava, sempre a ajudava com as plantações que antecedem o outono, e fazia muito mais do que estou fazendo agora. Pensar nisso me faz ver o quanto me tornei ausente com o passar dos anos, tinha vergonha de ficar por perto e deixar minha família perceber que o vício persistia, levando o melhor de mim.

Digo que não irei mais reclamar, afinal é o meu dever... sempre foi, como filho mais velho, mas acabei deixando que o meu irmão se ocupasse por mim. Agora ele está morto por minha causa, posso não ter disparado e provocado sua morte diretamente, mas foi por minha causa que alguém o matou, todas as evidências levam a isso.

Termino os canteiros ao longo da cerca que divide o terreno com o do vizinho, e subo para avisar a minha mãe. Ela está se arrumando para irmos ao supermercado, usando o mesmo espelho sobre a prateleira, que ganhou de presente quando se casou com o Victor.

Fico a observando, não somos muito parecidos, ela é loira demais, de um jeito que arde os olhos quando olhamos para o seu cabelo no sol, e os olhos são de um azul claro. Porém, nos parecemos na personalidade, somos fortes, dedicados e talvez apegados demais a quem amamos, esse último traço eu descobri depois que conheci a Katy, e entendi porque minha mãe olhava para o Victor como se ele fosse o próprio sol.

— Tudo pronto, dona Alexia. – Informo, quando ela me pega a espiando pelo reflexo. — Podemos ir?

— Claro, só preciso prender o cabelo. – Ela responde, juntando os longos fios loiros com reflexos brancos em um coque apertado na nuca.

Anjo Negro [CONCLUÍDO]Onde histórias criam vida. Descubra agora