Pessoas feridas, ferem

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P.O.V PEDRO

Estar com a Katy é como me trancar de um bunker a salvo de todo o mundo e até dos meus próprios pensamentos. Não consigo enxergar outra coisa que não seja ela, ouvir qualquer coisa que não seja aquilo que está saindo dos seus lábios... pareço até um tanto quanto obcecado.

Quando ela dorme aninhada ao meu corpo eu também mergulho na inconsciência, plenamente satisfeito ao ponto que nem a minha tarde de merda tira o meu sono. Depois de tantas horas dormindo abraçado a ela, sinto um arrepio gelado em meu peito e desperto, consigo focalizar seus olhos na sala parcamente iluminada pela luz da cidade advinda da sacada. Mas seus olhos não parecem estar me vendo, é como se ela observasse um ponto atrás de mim, eles estão sem vida, parecido com os dos cadáveres que morrem de olhos abertos.

— Katy! – Chamo o seu nome em um sussurro, temendo que ela possa estar passando mal.

A palma de minha mão sobre sua cintura sente o suor gelado da pele pálida.

— Katy, olha para mim. – Peço tentando fazer com que seu olhar sombrio se desmanche.

A pressão gelada em meu peito aumenta, levo a mão até o local e tateio uma arma, ela está pressionando o cano de um revólver contra o meu peito. Engulo em seco, dolorosos segundos se arrastam e ela não diminui a pressão, parece quase um ataque de sonambulismo. Vejo um singelo sorriso se formar em seus lábios cheios, e decido agir antes que seja tarde demais, acerto um tapa em sua mão no instante que ela aperta o gatilho, a arma voa para longe. Sei pelo barulho leve do click que ela não estava destravada, me poupando de um tiro direto no coração.

Finalmente os olhos dela parecem me enxergar e eles perdem o caráter sombrio para o pânico.

Sua boca se abre para falar algo, mas não sai som algum, ela parece estar engasgada. Quero dizer que está tudo bem, ela não me feriu, preciso ver como está o estado da sua mão após o forte tapa, mas também fico parado, chocado demais com o que acabou de acontecer.

Katy é a primeira a se mover, ela levanta apressadamente, cambaleando um pouco, temo brevemente que ela esteja procurando pela arma, mas ao vê-la pegar a calcinha no chão percebo que está se vestindo para ir embora.

— Katy! – A chamo com calma, entretanto ela não para de pegar as peças de roupa pelo chão. — Por Deus, sossega mulher. – Peço me levantando e vou até ela. — O que está acontecendo? – Seguro os seus braços a fazendo parar por um instante.

Ela levanta o rosto ainda assustada, sua franja vermelha está grudada na testa suada, ela está mais pálida que o habitual.

— Eu ia... meu Deus. – Ela ofega estremecendo. — Eu quase te matei, Pedro! – Exclama ela aumentando o tom de voz.

— Calma, foi um acidente, você nem parecia estar acordada.

Para mim ela parecia uma sonâmbula, se eu fosse um pouco mais religioso, diria que ela estava possuída.

— Não. – Diz Katy balançando a cabeça veementemente. — Você não entende, eu poderia ter te matado Pedro. Só não aconteceu porque não destravei a arma.

Ela dá um solavanco se afastando de mim, permito que se vista e também procuro minha cueca, não é possível ter uma conversa pesada dessas enquanto se está nu.

— Deve ter sido um reflexo, ou algo do tipo Katy. Ex-policiais tem isso o tempo todo, depois que a gente entende como o mundo é perigoso começa a ficar meio paranoico.

— Pedro, eu não sou a merda de um ex-policial, eu sou uma assassina, é isso que eu faço. – Diz ela seriamente pegando a bolsa. — Eu não sou uma pessoa normal, foi legal imaginar por uns dias que poderia ser. – Ela suspira e vejo seus olhos escuros ficarem rasos d'água. — Mas eu sou assim... esse ser humano horrível.

Anjo Negro [CONCLUÍDO]Onde histórias criam vida. Descubra agora