P.O.V PEDRO
O caminho até a casa do lago tem um aspecto diferente, dessa vez não é apenas por conta da neve que cobre as escarpas que margeiam a estrada, nem pelos pinheiros se sobressaindo em meio a toda vegetação já morta pelo frio, buscamos um novo começo, a última centelha de esperança. Precisamos disso como necessitamos do ar para respirar, foram duras perdas num curto período, por mais que a essa altura já estejamos habituados a tanto horror, nunca deixa de doer.
A Katy abre a janela e coloca a mão para fora, deixando a leve garoa gelada cair em seus dedos sem luvas. O frio que entra no carro faz com que eu estremeça, e, minha mãe sentada no banco de trás abotoe o casaco até o pescoço, mas não dizemos nada. A psicóloga que nos atendeu antes da alta da Katy disse que faz parte do processo do luto algumas atitudes meio irracionais, e que são saudáveis se vividas num tempo certo e de uma maneira que não ponha a vida dela em risco.
É estranho vê-la assim, nos últimos dias lidei com sua versão "morta", e agora que ela voltou a sentir algo, é uma tristeza melancólica. Perdi meus dois irmãos, pessoas que eu amava com todo meu coração, e sei o quanto dói, e antes disso já havia perdido avós, tios e meu pai de sangue. E sendo bem duro, a gente se acostuma com essas situações, mas não a Katy... é a primeira vez que ela perde alguém com quem se importa. Será a primeira vez que imagens do "o que poderia ter sido" aparecerão em seus sonhos, ou em momentos corriqueiros, dando aquela sensação de baque da perda.
A curva na estrada aparece diante do para-brisas do carro, desse ponto já é possível enxergar o topo do telhado da casa. Não tive tempo de modificar nada desde a última vez em que estive aqui, apenas pedi que algumas coisas fossem entregues, a equipe de mudanças deve me odiar devido a tantas vezes que desmarquei e marquei novamente a transferência dos móveis.
Abro o portão da garagem e estaciono na parte de dentro, no espaço que já dividimos com caixas, ferramentas e lenha que deixei empilhada no canto.
— Um furacão passou aqui? – Minha mãe pergunta ironicamente ao descer do carro, levando nas mãos a caixa de transporte da Ash.
Fico feliz que seu humor crítico esteja de volta, é um sinal de que ela está bem, o outro sinal é que ela se ofereceu de imediato para cuidar da Katy durante o resguardo pós-aborto. Nas duas semanas que se passaram após a morte da Sol, eu tive certeza de que minha mãe estava depressiva, pois se tem algo que Alexia Collins não permite, é que alguém faça as coisas dela por ela. Agora, já me acalmo, pensando que pode ter sido apenas consequência do luto, e não uma real depressão.
Corro para ajudar a Katy a descer, a impedindo de ficar de pé sozinha, o que parece quase impossível, já que sempre está tentando fazer algo quando eu não estou olhando.
— Repouso, Katy! Repouso. – Repito pela milésima vez o que a Dra. Chon nos disse no hospital ao assinar a sua alta no dia de ontem.
— Ainda consigo andar, Pedro. – Ela resmunga quando eu a ergo no colo, mas não lhe dou ouvidos. — É frustrante ficar o dia inteiro na cama.
— Se for pelo seu bem posso te deixar amarrada junto a cabeceira. Que tal? – Pergunto e vejo suas bochechas se enrugarem num quase riso.
Mamãe abre a porta lateral de acesso a casa e entramos diretamente na cozinha, ela finalmente coloca a pobre Ash no chão, e a gata sai cheirando tudo para reconhecer o território.
A parte interna está uma bagunça. Caixas, galhos e sujeira que entraram pela porta dos fundos que está parcialmente aberta.
Meu coração dispara contra os tímpanos e meus sinais de alerta ligam a todo vapor. Deixo a Katy sentada no balcão e puxo a minha mãe para perto dela, que me encara de olhos arregalados.
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Anjo Negro [CONCLUÍDO]
RomanceEm um quarto de motel barato, sobre um corpo nu, Katy empunhou a arma, registrando em sua mente a expressão de medo nos olhos da vítima. Enquanto o clímax se espalhava pelo seu corpo, ela disparou, tirando a vida de mais um que segundo o seu julgame...