Pequeno Milagre

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P.O.V KATY

Os dias são cada vez mais frios e vazios. Ajudo a Alexia com o que posso, enquanto o Victor passa o dia inteiro na escola, acho que é mais fácil para ele estar lá rodeado por adolescentes do que voltar para casa e encarar a perda da filha. O Pedro também não aparece, ele respeita os meus limites e se mantem distante da casa dos pais, resisto a minha curiosidade de saber o que ele está fazendo e a saudade que sinto a cada segundo, é melhor assim.

Meu trabalho está parado no escritório, não tenho criatividade para nada, parece que tudo perdeu a cor. Faço os cheques de reembolso pelos projetos cancelados e a Jane os deposita para mim antes de entrar de férias antecipadas. As portas da Candy's seguem trancadas, assim como as do meu apartamento, desde a última vez que fui lá para pegar uma mala de roupas e a Ash. Esses lugares pertenciam a uma Katy que eu não consigo mais encontrar em mim, não importa o quanto eu tente parecer eu mesma, no fim é só uma cópia malfeita de uma mulher que eu achei que poderia ser.

Organizo o quarto da Sol, guardo tudo no devido lugar, limpo a poeira, troco a cortina e os lençóis da cama, o deixando impecável para quando a Alexia tiver coragem de entrar nele outra vez. Descobri que tenho um dom escondido para limpeza e organização quando quero ocupar minha cabeça, é como decorar, mas não exige criatividade e tendências da moda, apenas mãos ágeis e sabão.

Faço um sanduíche de pasta de amendoim no almoço e engulo com um copo de leite, desde que a "comida de funeral" acabou, é só o que tenho comido. Ainda não sei cozinhar e a Alexia parece não se sentir bem o suficiente para sair da cama. Preparo outro sanduíche e levo até o quarto para ela. A bandeja de café da manhã que levei mais cedo com cereal e torradas permanece intocada na mesinha de cabeceira.

— Você tem que comer, Alexia. Vai ficar doente assim. – Digo em tom de repreensão, como quem fala com uma criança.

Ela está visivelmente mais magra e com olheiras fundas, até o seu cabelo loiro antes impecável está solto e cheio de nós.

— Juro que não quero fazer birra de criança, Katy. – Ela suspira e abraça o travesseiro de fronha rosa que pegou da cama da Sol. — É que apenas não consigo, não tenho forças, usei tudo o que tinha para me manter de pé durante o velório, agora se foi.

— Eu sei o que é se sentir morta em vida, quando drenam de você toda a felicidade e já não consegue sentir mais nada além da dor. – Me sento na beirada da cama e seguro sua mão ossuda. — Mas temos que encontrar algo que nos force a ficar de pé.

— O que te mantem de pé?

— Vocês. – Esboço um sorriso ao responder e acaricio os nós de seus dedos. — Estar aqui, sabendo que sou útil para algo já me ajuda.

Ela olha dentro dos meus olhos por um longo tempo, parecendo ver através deles, o que me deixa um pouco assustada, principalmente porque ela franze o cenho e nega com a cabeça.

— Bom. – Respiro fundo e solto sua mão. — Vou levar esse cereal lá para baixo e trate de comer o sanduíche, ou começarei a pensar que quer me mandar embora.

Pego a bandeja e levo comigo, a deixando na cama com sua expressão confusa. Não sei o que ela viu em mim, só espero que não tenha sido a verdade.

Outra nevasca começa, não tão forte quanto a última, mas o suficiente para cobrir a entrada da garagem. Visto o casaco impermeável e o gorro que já deixo pendurado atrás da porta e saio para limpar o caminho. O Victor faz isso todas as manhãs antes de ir para o trabalho, evitando um acidente quando chega, então me adianto já que faltam apenas umas duas horas para ele retornar.

Anjo Negro [CONCLUÍDO]Onde histórias criam vida. Descubra agora