Os acontecimentos que se seguiram naquele dia não eram esperados. O frio pareceu ter trago consigo uma névoa de farsa e dor. O coração do homem é enganoso, diz o provérbio, quem o conhecerá? Conhecemos o nosso? Talvez alguns lados dele. Nos surpreendemos quando nos deparamos com perversidades, maquinações para o mal, falsidades, mas cada um sabe a verdade de si que existe em suas mentiras.
As mentiras de Daguerre não se mostravam mais suficientes. Mas uma última, eficaz, poderia ajuda-lo a conquistar o que queria de uma vez por todas. Daguerre e seus contatos, sua altivez, sua presença imponente. Construiu-se assim, como uma questão de sobrevivência. E queria mais. Ele odiava o que considerava medíocre e sentia sua posição na vida medíocre. Ao lado de George isso só recebia mais destaque.
Sentado à mesa do escritório bebia seu chá trazido por Nina com tranquilidade. George chegou e sentou-se à sua frente.
- Bom dia Daguerre.
- Bom dia George – disse colocando a xícara sobre a mesa – está disposto a falar dos franceses agora?
- Na verdade quero conversar sobre outra coisa – disse apoiando os braços sobre a mesa.
- Sou todo ouvidos meu caro – sorriu.
George o encarou triste por uns segundos.
- Você sabe o que é acônito? – foi direto.
Daguerre não esboçou nenhuma reação, expressão impassível.
- Claro, é uma planta medicinal, também venenosa, por quê?
- Isso não te faz pensar em nada? Não quer dizer nada pra você?
Daguerre ajeitou a xícara e o pires sobre a mesa, sem necessidade. Com expressão triste Daguerre suspirou.
- Sim George – disse ele. O coração de George acelerou, ele torcia para que tudo fosse um grande engano.
- O que isso... O que isso quer dizer para você Daguerre? – perguntou com voz fraca, tossindo um pouco.
- Você descobriu não foi? – perguntou e os olhos de ambos estavam marejados. Uma primeira lágrima caiu de Daguerre ao piscar – me sinto completamente envergonhado.
George sentia tudo a sua volta desabar, não podia ser verdade.
- Como pôde? – suas lágrimas também caíram – somos irmãos! E ainda que não fôssemos isso é... Isso é um crime, é abominável... – perdia o ar. Daguerre arregalou os olhos e colocou a mão no peito.
- Mas... George, eu sei que isso não é autorizado pela lei, mas abominável? Eu só estava tentando vencer anos de sofrimento! – disse Daguerre gesticulando com as mãos.
- O que?! – havia revolta na voz de George.
- Sim, você sabe o sofrimento que sempre foi para mim lidar com essas manias – mexeu na xícara novamente com rosto sofrido – na barraca de flores, era terrível para mim vê-las todas misturadas, na escola, nas festas, visitando parentes... Controlar esses impulsos é desgastante George e às vezes, eu só tenho paz se os satisfaço...
Com o cenho franzido e a boca um pouco aberta George o encarava pasmo.
- Do que você está falando?! – Gritou ferozmente e tossiu mais.
- Mas não é disso que estamos falando?! Por eu ter comprado acônito para uma tentativa de tratamento aos meus problemas? Não imaginei que você ficaria tão irritado com isso – disse triste – tenho procurado por anos algo que possa funcionar e ouvi falar de acônito, pode perguntar ao Dr. Hall, era arriscado, eu sei, mas eu precisava tentar, com a idade parece que tem piorado George – disse passando as mãos sobre o rosto expressando uma angústia verdadeira. Começou a lembrar do passado e a justificar a sua distância e frieza por seu sofrimento, comparando-se com George, que segundo ele, teve uma vida melhor.
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Pedra Negra
RomanceNo decorrer da história do mundo presenciamos objetos fazerem parte de nossas vidas, damos significados à eles e muitos atravessam gerações. Mas, o que é realmente interessante são as histórias de vidas inteiras que se atravessam nessas peças, entre...