Depois de um tempo na varanda, quando o céu já estava escuro quase por completo, Lonan entra na cabana e a tranca. Depara-se com Annalize olhando fixamente para uma caçarola.
- Anna? – Ela assusta-se e sorri para ele em seguida.
- Oi. A água estava ótima – diz sem jeito.
- Que bom. O que está fazendo?
- Uhn... Não sei. Eu pensei em fazer o jantar, mas... Pastor Arthur não me deu aulas de culinária.
Lonan ri balançando a cabeça. Ele estava achando linda a imagem de Annalize de cabelos soltos e úmidos, apesar de curtos, o vestido branco simples e os pés descalços.
- Não tem problema – ele aproxima-se – você pode ser minha ajudante.
Annalize arqueia as sobrancelhas um pouco descrente.
- Separe os legumes daquela bandeja.
Lonan dá instruções com tanta propriedade, que Annalize resolve obedecer. No fim das contas, ela não ajuda muito e acaba por observar encantada Lonan preparar uma deliciosa sopa, e admira-se por ele ter os alimentos abastecidos.
- O cheiro está bom – Anna diz segurando uma colher como uma criança esperando a refeição.
- Cuidado que está quente – Lonan fala ao servi-la. Senta-se também e serve-se. Um lampião a gás encontra-se no centro da mesa.
- Está boa... Uhn... Muito boa – Anna diz após experimentar. Lonan sorri satisfeito.
A jovem come com prazer, já que há dias comia apenas uma mistura sem gosto na Casa de Recuperação. Repetiu o prato. Ambos comem num silêncio confortável e sorriem de vez em quando.
- Deixe que eu lave – Anna se oferece quando Lonan começa a recolher a louça – Isso eu sei fazer.
Lonan acende mais uma lamparina enquanto ela lava as poucas louças, pois a escuridão da noite tornava-se mais densa, e aproveita para checar se as janelas estão bem fechadas.
Apesar da primeira lâmpada incandescente com filamento de carbono, ter sido criada em 1879 por Thomas Edison, apenas mais tarde, começaram as tentativas de distribuição de energia em determinados lugares. Na velha cabana de Sophia, ainda era usada a boa lamparina e o útil lampião a gás, inventado em 1792, na própria Inglaterra, onde serviu para aumentar a jornada de trabalho nas fábricas. Tendo um grande impacto no dia a dia das cidades. Com eles, a noite ganhou vida em Teatros, cafés e restaurantes.
Quando Anna termina de secar as mãos em um pano, Lonan estende uma mão para ela que a aceita.
- Tenho uma entrega para lhe fazer – ele diz levando-a até o quarto, onde ambos sentam-se na cama. Ele retira o saquinho do bolso e Annalize observa com expectativa – Abra.
Ela abre e seus olhos arregalam-se. Não segura-se e permite que lágrimas emocionadas rolem em silêncio. Quantas memórias. Por quantas histórias essa pedra atravessou... Ela aperta o colar contra o peito. Lonan seca suas lágrimas com os dedos.
- Obrigada – Ela sussurra.
- Foi um pedido de sua mãe. – Annalize sorri e respira fundo. Decide guardar o colar de volta no saquinho, e coloca-o embaixo do travesseiro.
- Sabe... Eu fico pensando... Esse objeto já fez parte de tantas histórias, já passou por tantas mãos... Talvez um dia eu o entregue para meu filho ou filha. E então serão novas histórias – ela boceja involuntariamente e ri.
- Serão belas histórias – Lonan diz passando a mão nos cabelos dela em um carinho, e não pode deixar de imaginar filhos com ela. Annalize fecha os olhos em apreciação. Quando os abre novamente, vê Lonan mais próximo, ela nunca parara para observar o leve rasgar de seus olhos tão de perto. Já pode sentir sua respiração.
Ela passa os dedos de leve sobre os lábios dele e observa cada traço de seu rosto. Quando o olha nos olhos, corta o espaço entre eles e une suas bocas. Não apenas os lábios. Lonan circunda sua cintura e com outra mão segura seu rosto. Annalize corresponde cada novo movimento com amor. Exatamente isso. Amor.
Mais do que sensações físicas, uma sede de alma, um desejo pela felicidade do outro, um querer bem sem nada em troca, era o que ambos sentiam. Não sabiam ainda a grandiosidade deste afeto. Mas sentiam.
Em uma retomada de fôlego, Lonan passa seu nariz sobre o dela, enquanto acaricia sua bochecha com o polegar, passa pelo pescoço dela e volta, as mãos de Annalize apertando seus ombros o incentiva. Beijam-se mais uma vez de forma muito mais lenta e íntima, que os faz esquecer completamente o mundo ao redor...
Até que uma coruja pia.
Lonan vai parando o beijo aos poucos, terminando com beijos na bochecha e na testa.
- Precisamos dormir – ele respira fundo. Annalize assente com a cabeça. Um pouco envergonhada. Ainda um pouco inerte.
Ele a ajuda a guardar suas coisas num canto do quarto, puxa o lençol e cobertores para ela, e a cobre quando ela se deita. Beija sua testa. Annalize o observa pegar mais cobertores e travesseiros no armário de madeira sem porta, e preparar um leito ao lado de sua cama no chão.
- Vou precisar apagar a luz, se algum estranho passar pela floresta à noite seremos um alvo fácil – ele avisa.
- As duas? – Ela pergunta com receio.
- Sim. Mas estarei aqui, bem ao seu lado - diz firme.
Annalize entende que esta frase valia para muito além de uma noite sem lamparinas.
- Tudo bem.
Lonan apaga o lampião e volta para o quarto. Senta-se em sua cama improvisada com a lamparina menor na mão, cobre-se até a cintura. Vê Annalize deitada de lado em sua direção e sorri para ela, tentando passar-lhe segurança. Ela sorri de volta, mas fracamente. Ele aproxima a lamparina do rosto dela.
- Deixe-me enxergar bem o rosto com o qual eu vou sonhar esta noite – ele diz, fazendo-a abrir um grande sorriso – Agora sim.
Ele apaga a lamparina a deixando do outro lado e deita-se. Há total silêncio no breu. Quebrado apenas por um piar de coruja inconstante.
- Quer segurar minha mão? – Lonan pergunta baixo.
- Sim – Anna responde num sussurrar.
Deitando de lado, o jovem estica o braço um pouco para cima e tateando, encontra a mão de Annalize na borda da cama. Entrelaça seus dedos.
- Boa noite meu amor – Lonan verbaliza.
- Boa noite... Meu... Amor – Anna consegue dizer.
Sem saberem, ambos sorriem ao mesmo tempo na escuridão.
Continua...
VOCÊ ESTÁ LENDO
Pedra Negra
RomanceNo decorrer da história do mundo presenciamos objetos fazerem parte de nossas vidas, damos significados à eles e muitos atravessam gerações. Mas, o que é realmente interessante são as histórias de vidas inteiras que se atravessam nessas peças, entre...