Capítulo 30 - Que Assim Seja

148 18 14
                                    


Arthur olha para a esposa e suspira. Ele não sabe o que fazer para proteger a filha do melhor amigo. Ele percebe pelo modo que ela fala que há desejo por vingança em seu olhar e que seu coração parece estar endurecendo.

- Lembra-se de Ilíada de Homero, Annalize? Você me entregou um excelente resumo sobre esta obra.

- Sim. Lembro – diz ela percebendo que seu leite esfriou e pensando onde Arthur queria chegar com isso.

- Olhe para mim querida – ele pede calmo. Ela volta seus olhos para ele.

- Não estamos na guerra de Tróia – ela diz baixo e Arthur dá um sorriso fraco de lado. Sentiu falta das respostas ágeis de sua aluna.

Lembrou-se de quando estudaram o poema épico, onde a ira de Aquiles, causada por sua disputa com Agamenon, comandante dos Aqueus (antigos gregos), pela escrava Briseida, fez com que o semideus abandonasse a batalha contra os troianos e ainda pedisse a mãe, deusa Tetis, que os aqueus fossem derrotados. Agamenon pede a volta de Aquiles para a batalha, mas ele nega e seu amigo Pátroclo vai em seu lugar. Com a morte de seu amigo pelas mãos de Héctor, Aquiles volta à guerra buscando vingança. Ele mata Héctor em um duelo um a um, mas ao encontrar o pai de seu inimigo, sente o vazio e o sentimento trágico de inutilidade e não a satisfação de um herói.

- É verdade – ele diz inclinando-se um pouco para frente e cruzando as mãos – mas independente de qual seja a guerra, aprendemos que vinganças nunca terminam bem.

- Nem injustiças – ela responde rápida e coloca a xícara sobre a mesinha à sua frente levantando-se – já está tarde.

- Annalize espere – diz Sarah – pode passar a noite aqui.

- Eu agradeço muito sua oferta Sarah, mas não posso ficar longe da minha mãe... E pastor Arthur... – ela vira-se para ele que já está de pé também – você e sua família são uns dos poucos em quem confio e sei que meu pai confiava também, obrigada por tudo. Queria lhe pedir para ir amanhã de manhã à casa de Joana, Samuel nos dirá sobre a situação de Luke. Gostaria que você estivesse lá, se puder.

- Mas é claro que sim – ele diz e a abraça, passa as mãos levemente por seus cabelos e beija sua cabeça. Annalize sente o conforto paternal em seus braços e sente a vontade de ficar lá escondida. Mas lembra-se que não vai recuar diante de Daguerre.

- É melhor eu ir – ela diz. Abraça Sarah, pega sua capa e parte para a carruagem com Lorenzo.

Arthur os vê partindo de sua porta. Olha para o céu escuro e faz uma prece.

"Oh Deus, proteja essa menina como peço por minha própria filha, sei que os Seus olhos estão em todo lugar. Eu não compreendo os porquês... – uma lágrima escorre de seus olhos – não compreendo mesmo. Mas livra-a, por favor... Poupe-a... Que ela não se torne fria como esta noite... Amém."

...

Annalize chega em casa, agradece Lorenzo e pede desculpas mais uma vez. Vai ao quarto da mãe avisar que já chegou. Ela fala sobre o encontro que acontecerá no dia seguinte em que Samuel trará notícias. Margot já havia dado o remédio para Antonia dormir, então depois de conversarem um pouco ela pega no sono. Margot tomava muito cuidado com as quantidades da fórmula e com os horários. Cuidava de Antonia e Annalize com muito carinho. Insistiu para a jovem comer alguma coisa. Mas ela só comeu uma fruta e foi para seu quarto tentar dormir, ou simplesmente descansar o corpo.

Em seu quarto, percebeu que os empregados já haviam arrumado tudo e sua caixa não estava lá. Ela achou isso bom. Passou a mão no pescoço e lembrou-se de que havia jogado o colar pela janela. Arrependeu-se. Olhou para baixo e pensou em ir até lá, o colar não poderia estar tão longe daquela área. Ainda olhando pela janela, vê Daguerre se aproximar da porta de entrada meio cambaleante. Desiste de descer e a raiva a consome junto com a angústia das incertezas.

Fecha as cortinas do quarto e se aquece na cama pensando e repensando. Depois de um tempo alguém bate em sua porta e ela ouve uma risada fraca.

"Não pode ser!" ela pensa. E o medo a domina. Ela corre para trancar a porta com uma chave que ficava numa gaveta da cômoda, não tinha o costume de trancá-la. As batidas ficam mais fortes e a maçaneta se move, mas ela conseguiu trancar a tempo. Annalize fica encostada na porta esperando aquela tortura acabar respirando profundamente. Suas suspeitas estão certas, era Daguerre um pouco bêbado batendo em sua porta. Ao ver que estava trancada desistiu rindo e foi para o seu quarto, desabando na cama.

Annalize esperou um pouco até o silêncio predominar novamente e abriu a porta devagar. Olhou para os lados do corredor, correu para o quarto onde estava a mãe, o trancou e deitou-se com ela. Só conseguiu dormir horas depois de puro cansaço. Acordou com o barulho de Margot chamando na porta. Annalize a destrancou.

- A acordei menina? Desculpe, fiquei preocupada, não respondiam. Não sabia que estava aí – disse ela colocando uma bandeja sobre a cômoda e observando Antonia que ainda dormia.

- Está tudo bem – Annalize a abraça. Ela precisava de um abraço. Margot retribui.

- O que foi minha menina? – ela pergunta preocupada, mas depois se desculpa – perdão, que pergunta tola não é? O que foi? Diante de tantas coisas...

- Ter o seu cuidado faz toda a diferença Margot, obrigada – diz Annalize. Ela recebe mais um abraço.

- Não precisa agradecer menina – Margot diz emocionada – ah, Tatsuo disse para procurá-lo, ele quer falar com você.

- Certo, vou atrás dele – Annalize dá um sorriso fraco.

- Mas passe na cozinha antes e coma alguma coisa, não pode ficar fraca.

Annalize assenti e vai para a cozinha pegar alguma fruta. Passa pela mesa principal de refeições e vê Daguerre sentado tomando um belo café da manhã.

- Bom dia sobrinha – ele diz sereno.

Annalize vira-se para ele e o encara.

- Não vai tomar café? – ele pergunta apontando para o banquete à sua frente.

Annalize aproxima-se dele lentamente. Apoia as mãos na mesa inclinando-se para ele, deixando seus rostos mais próximos. Daguerre arregala um pouco os olhos com o movimento inesperado, mas não se move e dá um leve sorriso.

- Você não vai sorrir mais – ela diz baixo, mas firme, olhando em seus olhos. Daguerre arqueia as sobrancelhas.

- É mesmo? – diz com certo deboche – Posso saber por quê?– ele bebe um gole de suco.

- Porque mortos não sorriem... Tio.

Ela se ergue e sai, deixando Daguerre olhando para o nada, se dando conta de que isso foi um tipo de ameaça. Sozinho, ele dá um sorriso forçado, um pouco descontrolado e ao segurar com tanta força o copo em sua mão ele se quebra derramando o resto de suco sobre a mesa.


Continua...


Pedra NegraOnde histórias criam vida. Descubra agora