Capítulo 41 - Bônus Luke

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Nestes dias que estou aqui preso, a mistura de medo e saudade me domina. Não vou tentar passar a imagem de inabalável. Estou com medo. Muito medo. Da possibilidade de pena de morte, de nunca mais ver minha família, onde incluo aí Joana e do tamanho da dor que elas sentirão e também do que ainda podem sofrer com Daguerre em liberdade.

Eu achei que pela distância e o descaso sentido ao longo dos anos, compreender quem Daguerre é e o que fez não doeria tanto. Mas dói, porque ele é meu pai. Não há o que fazer quanto a isso. Sinto que se um estranho me incriminasse seria menos excruciante... Entendem?

Mas o que é ser pai afinal? Eu sei que tipo de pai vou ser, se sobreviver, é claro. E será bem diferente do que recebi do meu. Quantos filhos será que Joana quer ter? Espera... Acho que já estou delirando por causa do frio... Talvez seja melhor não criar expectativas... David me abriu um espaço longe da corrente de ar, ajudou um pouco.

Conversando com esses homens, percebo que não são tão diferentes de mim.

Tom foi preso por traição à rainha. Na verdade, segundo disse, ele não estava planejando a morte de sua majestade rainha Vitória, ou arquitetando um golpe, mas falava abertamente suas opiniões contrárias às ações políticas do primeiro ministro Gladstone. A rainha tem pouca participação política e está mais para uma mediadora entre o governo e o povo. "Em que eu a trairia?" dizia Tom. O fato de ele ser filho do dono de um jornal que faz oposição à monarquia, não ajudou muito...

Já David pelo que entendi, logo irá embora. Sua pena é pequena. Ele foi preso por suspeita de ter ajudado imigrantes fugidos de guerra, a passarem pela fronteira. Ele é um soldado. Era na verdade. Não deveria estar preso aqui, mas como não quis colaborar confessando, ou contando onde estavam os imigrantes, foi colocado junto com reles malfeitores, como uma espécie de castigo.

Não sei o que vocês pensam, mas para mim esses homens sofreram uma grande injustiça. Mas vivo num tempo, onde a opinião pode ser um crime e ajudar o próximo, dependendo de quem seja, também.

O caso de Will é muito mais difícil... Ao ouvir seu relato pude sentir uma dor muito grande no peito, quase física, afastando com todas as minhas forças a ideia do que faria se estivesse em seu lugar. Will contou-me que sempre foi um galhofeiro. Sair para farrear e jogar eram sua rotina. Cortejava várias damas e as damas de companhia das damas. Seu pai, um grande comerciante de tecido, insistia para Will ser mais responsável, pois não viveria para sempre e precisava de alguém para continuar o negócio e para cuidar e sustentar sua esposa e sua filha mais nova, a quem teve já de idade avançada.

Pois bem, no início do ano passado o velho homem faleceu. Will ficou muito abalado e resolveu deixar o comércio sob o comando de um funcionário mais antigo e aparentemente confiável, que pagaria as despesas da mãe e da irmã. Enquanto isso Will passaria um tempo em Londres, com a ideia de voltar depois de um tempo e cumprir a vontade do pai.

Depois de uma semana em Londres, Will decidiu voltar. Sentiu saudades da família e um covarde por não estar ao lado da mãe e da irmã num momento difícil. Mas, antes que ele pudesse tomar qualquer atitude, soube que sua irmã Deborah, de quatorze anos, entrou em uma melancolia profunda após sua partida. "Deborah sempre foi muito sensível e doce..." Will dizia com sorriso triste e olhar distante.

O funcionário a quem ele deixou responsável pelo comércio, chamou um médico para Deborah, que recomendou um tempo de tratamento na Casa de Recuperação Solar. O funcionário poderia então, controlar a parte da menina na herança e gastar bem pouco ou quase nada, no sustento da viúva que nas circunstâncias, estava totalmente impotente.

Will ficou furioso com o tal funcionário e foi atrás de Deborah. Visitou a irmã com o intuito de tirá-la de lá, mas a encontrou em um estado lamentável. Ela não falava e se ele fazia menção em aproximar-se, ela entrava em desespero e se transtornava. "Eu não entendia como em poucos dias ela pôde ficar tão mal assim... Mas então, uma das enfermeiras me contou...".

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