Capítulo 64 - Enquanto Pode

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- É um prazer recebê-lo inspetor – diz Daguerre depois que Edmund se senta, sentando atrás de sua mesa em seguida.

- Obrigado. É uma bela fábrica – o inspetor diz observando a sala da presidência, com uma mesa em mogno com detalhes provençais, uma enorme estante com livros, quadros aparentemente caros na parede, alguns vasos com rosas e um tapete que Edmund apostava ser persa. Ele estava certo.

- Eu agradeço, é fruto de muito trabalho – Daguerre sorri e desabotoa os botões de seu terno.

- Imagino... Trabalho de seu irmão... – O sorriso falso de Daguerre some um pouco.

- Sim. Meu irmão trabalhou muito por isto. Era sua paixão.

- Bem, imagino que deva saber por que estou aqui. Sei que já deu seu depoimento para o delegado, mas o caso agora é da jurisdição londrina. E com o desaparecimento do principal suspeito, as pontas soltas ficaram... Como posso dizer... Mais nítidas – Edmund estala os dedos ao encontrar a palavra pertinente.

Daguerre engole em seco.

- Tudo bem. Estou ao seu dispor. Quero muito que isso tudo se resolva, e saber o que aconteceu com meu filho.

- Muito bom. Pessoas dispostas são o que eu preciso. Então senhor Vanklein – Ele abre um bloco de papel e prepara sua caneta – quando começou a trabalhar para seu irmão?

- Trabalhar para... Ahn... – Daguerre não se considerava um empregado - O que isso tem haver com...

- É apenas curiosidade – Edmund o interrompe sorrindo rápido e anotando algo – Para começarmos. Mas se não puder se dispor agora... – Ele brinca com a palavra usada por Daguerre.

- Sim, claro... Quando minha esposa faleceu... – Daguerre continuou seu relato como já bem conhecemos. Não deixando, claro, de fazer-se de vitimado.

- Espere – Edmund o interrompe em dado momento – você não era o vice-presidente das indústrias Vanklein?

- Ahn... Não. George não trabalhava assim, ele tinha um conselho. Quando não estava disponível alguém do conselho o substituía.

- Entendo – anota alguma coisa em seu bloco.

Daguerre torce as sobrancelhas, apreensivo.

- Mas então... Por que o senhor está aqui na presidência? Onde está o conselho?

Daguerre começa a ficar irritado. Está sentindo-se intimidado. O que ele detesta.

- Esse é um negócio de família. Todos concordaram que o natural era alguém da família estar no comando...

- E veja só – Edmund coloca uma mão no queixo – Com Luke desaparecido, Annalize internada e Antonia fragilizada, parece que só sobrou você... A não ser que o testamento diga algo contrário.

Daguerre conta as batidas leves que Edmund dá em seu bloco com a caneta. Respira fundo.

- Sim, claro. O testamento. George pode ter deixado para qualquer pessoa o comando da fábrica.

O inspetor pode sentir o cheiro da falsa segurança que o homem a sua frente tentava passar. Daguerre não sabia, mas horas antes, Edmund ouvia um discurso muito interessante feito por Constantiny. Ele tinha dúvidas no caso, mas estranhava sobremaneira a postura de Daguerre e as possíveis motivações de Luke Vanklein cometer o dito crime. Era um rapaz jovem, que poderia comandar e desfrutar dos negócios de sua família sem precisar matar ninguém. A história de Constantiny lhe fazia muito sentido.

- Certo – O inspetor prossegue – O que tem a me dizer sobre a Rua do Rosário, 45?

- Uhn... Não sei, não conheço. É neste bairro? – Daguerre ajeita papeis sobre a mesa.

- É um pouco afastada...

- E o que tem está rua? – Daguerre faz-se de desinteressado.

- É lá que se vende o remédio para sua tentativa de tratamento – Edmund aponta - acônito.

Daguerre pisca os olhos.

- Não compreendo.

- O senhor nega ter tentado usar acônito para tratamento de suas questões mentais?

- O que? Mentais? – Daguerre batia os calcanhares abaixo da mesa.

- O senhor nega conhecer Constantiny e pedir segredo a ela quanto a sua compra?

- Eu não... – Uma gota de suor corre na lateral de seu rosto.

- O senhor nega ter envenenado seu irmão com a erva, e usado seus problemas psicológicos como desculpa da compra da mesma?

Daguerre aperta a beirada da mesa com os dedos já brancos,

- Nega ter tentado incriminar sua sobrinha? Nega tê-la encaminhado para um sanatório?

- CHEGA! – Daguerre grita e bate uma mão na mesa. Edmund arqueia as sobrancelhas.

Daguerre está um pouco ofegante, e uma mecha de seu cabelo, antes bem aprumado, cai sobre sua testa. Ele empurra a mecha para trás com os dedos.

- Você está fazendo acusações incabíveis! – Vocifera.

- Por que incabíveis? – O inspetor pergunta, com uma tranquilidade que só deixa Daguerre mais irritado – tudo é cabível meu caro, quando o assunto envolve inveja, poder e dinheiro.

- Eu não sou obrigado a aceitar isso. Exijo um pedido oficial e a presença de um advogado caso queira falar comigo novamente. Tantas tragédias em minha família e ainda tenho que ouvir esses disparates – Daguerre diz, enquanto levanta-se e abre a porta da sala.

Edmund sorri de lado. Levanta-se devagar de sua cadeira, guarda o bloco e a caneta no bolso interno do paletó, e dirige-se a porta, parando em frente ao homem nervoso.

- Passar bem – Daguerre diz.

- Vou passar. Mas antes... Um aviso – Edmundo diz calmo, aproximando-se mais – a próxima vez que você, caro senhor Vanklein, levantar a voz para mim desta maneira, sairá de onde quer que esteja junto comigo, mas com as mãos algemadas para trás... E talvez um olho roxo, e menos alguns dentes.

Daguerre não desvia o olhar do inspetor, em desafio.

- E passar bem – O inspetor sorri – Enquanto pode.

Ele coloca seu chapéu e sai. Depois de fechar a porta, Daguerre quebra um vaso na parede e ruge de ódio, observando as pétalas de rosas vermelhas espalhadas pelo chão, misturadas aos cacos de porcelana. Ele não contava com Edmund atrapalhando seus planos, que já haviam sofrido algumas mudanças.

Ele esqueceu-se que o inesperado é como o sol. Todos estão sob ele. Todos se sujeitam a ele. Nossas escolhas podem circundar um caminho, mas cada passo é um sobressalto ou um presente. Ou os dois.

Continua...


Vem cá...

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