Capítulo 25 - Sem Mirtilos

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Annalize abriu os olhos e virou a cabeça, vendo o cachorro correr em sua direção saltitante, dando leves escorregadas na neve. Ele pulou sobre ela que ria e o abraçava com carinho afastando o rosto para que ele não a enchesse de baba. Ela olhou na direção em que o cachorro veio e Lonan estava encostado em uma árvore com as mãos nos bolsos. Annalize fez um movimento de que iria se levantar, mas Lonan a impediu com um gesto indo em sua direção.

- Continue sentada, vamos fingir que é sua sala de estar – disse ele com um sorriso calmo sentando sobre uma pedra média em frente a ela. Annalize se acomodou novamente e aconchegou Lemon/Peter em seu colo.

Lonan pega um graveto e risca a terra misturada com neve de um lado para o outro, fazendo o cachorro seguir seus movimentos com a cabeça.

- Como está se sentindo? – Lonan pergunta enquanto distrai o cachorro.

- Não muito bem. Pensar que nunca mais verei meu pai de novo parece espetar meu coração. E pensar no por que, me dá muita, muita raiva. – o tom de Annalize está frio e dolorido. Lonan pôde perceber seu olhar diferente apesar do sorriso receptivo quando a encontrou.

- Sei como se sente – disse Lonan jogando o graveto ao longe, fazendo o cachorro segui-lo e continuou - Quando cresci mais um pouco e entendi o motivo da morte dos meus pais, senti tanta revolta... Era tudo tão estúpido, guerra por poder, terras, dinheiro... Deixei o ódio dominar meu coração, a vida não era justa e não fazia sentido. Comecei então, de alguma forma querer...

- Vingança – Annalize completou. Lonan assentiu.

- Mas nas minhas tentativas de vingança contra a vida, quem se prejudicava era eu e as pessoas que ainda me amavam.

Annalize o observou pensativa. Nesses dias ela se apegou ao desejo por justiça para não desabar diante da dor, mas a raiva e a indignação tornavam a linha entre justiça e vingança muito tênue. Ela tentava não pensar nisso, mas já não acreditava que uma prisão fosse suficiente para que Daguerre pagasse. Apesar de tentar sorrir com as graças de Beth ou sentir alegria com o romance de seu primo e sua melhor amiga, ou um calor aquecer seu coração com a companhia ou a simples carta de Lonan, Annalize sentia certa obscuridade sombrear sua alma quando pensava no futuro.

- Como você parou de tentar se vingar? – ela perguntou baixo, sem olhar em seus olhos, já que parecia que ele via por eles o que ela sentia.

- Percebi que o que eu fazia não valia a pena. E meus pais... Bom, eles amavam a vida e morreram protegendo vidas. E eles estão vivos em mim e em minha irmã Sihu. Então viveremos da melhor forma possível. – disse Lonan com um sorriso e olhar emocionado.

Annalize suspirou e um silêncio instaurou-se entre eles, cortado apenas pelos barulhos que o cachorro fazia lutando com o graveto. Falar ou estar com Lonan parecia minimizar os sentimentos sombrios de Annalize.

- Preciso te contar uma coisa – Ela disse tentando suavizar a conversa. Lonan a olhou curioso. Annalize lhe contou sobre o episódio na floresta em que o viu com sua irmã. Lonan caiu no riso e também a repreendeu por andar pela floresta sozinha, ainda mais quando está escurecendo.

Lonan explicou que Sihu não a viu, mas provavelmente sentiu sua presença. Explicou que sua cegueira foi gradativa durante a infância, consequência da explosão. Sihu não fechou os olhos como sua mãe mandara naquele fatídico dia. Mas que não está em completa escuridão, ainda consegue ver alguns vultos e seus outros sentidos acabam ficando mais aguçados. Annalize ouviu tudo surpresa e sentiu ternura por Sihu, pelas tamanhas tristezas que deve ter passado.

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