04 - T h i n k i n g

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A mamãe não estava em casa.
Ela tinha ido trabalhar.
Ela trabalhava como assistente administrativa no shopping Bonsucesso. O que dava uns vinte, vinte e cinco minutos para onde a gente morava.
Ela entrava às dez da manhã e saia às cinco horas da tarde. O que demoraria.
Então eu resolvi ir fazer o meu dever de literatura e depois dar uma arrumada na casa.
Ela começara naquele trabalho há pouco tempo. Cerca de três meses, mas pelo menos era algo que ela realmente gostava de fazer.
Eu podia dizer que agora ela estava bem. Havíamos nos acostumado com nossos pequenos desastres. Eu sabia que ela ainda era triste pelo que acontecera no carro há anos atrás, por isso eu nunca tocava no assunto. Nem ela.
Era melhor assim.
Eu sabia que a filosofia presava por questionamentos críticos sobre todas as coisas do universo, mas eu sinceramente acreditava que algumas coisas não deviam ser questionadas.
Questionar determinados assuntos era só como se martirizar. Algumas coisas machucavam de verdade. E eu sinceramente, estava bem cansado de sentir doer.
Durante o primeiro ano, eu chorava todas as noites, bem baixinho e também durante o banho, quando não tinha meus ataques de pânico. Mas parei, quando a minha mãe me pegou fazendo isso e eu a deixei ainda mais triste.
Percebi que isso não faria nada voltar ao normal; a única coisa que faria tudo voltar ao comum, era eu me esforçar para que isso acontecesse.
Mas eu simplesmente não conseguia prestar atenção no meu dever.
Tudo o que eu conseguia pensar agora era cena há quatro anos atrás e em como os meus gritos, junto aos da minha mãe soaram em pânico.
Deixei os cadernos em cima da mesa e fui até o banheiro para lavar meu rosto.
Respirei fundo e me encarei no espelho.
Pensei na garota de cabelo rosa.
Ela parecia uma boa aluna. Parecia realmente aplicada.
Então o que ela estaria fazendo agora? Talvez ela estivesse fazendo seus deveres também, enquanto tomava uma xícara de chocolate quente, ainda com seu blusa de zíper e toca de orelhas de urso? Ou ela podia estar assistindo à televisão, como uma simples garota paulista costumava fazer depois da escola.
Não, não. Ela realmente parecia gostar de chocolate quente.

- Victor?
- Mamãe. - eu a dei um beijo na bochecha. - Oi.
- Olá, querido. - ela passou os dedos pelo meu rosto. - Como foi seu primeiro dia?
- Foi o primeiro dia mais legal que eu já tive. - eu sorri, animado.
- Está brincando? - ela refletiu o sorriso e eu neguei com a cabeça. - Por quê?
Considerei se a contava sobre a garota, mas não rinha exatamente o que contar:
- Não sei. Mas gostei da escola. Tenho dois professores legais... - fui a contando todos os fatos que não envolviam ela e o quão fiquei nervoso quando ela me encarou.
- Eu fico muito feliz, querido.
- E você? Como está? Como foi seu dia? - eu perguntei, ajudando ela a desempacotar as coisas do mercado.
- Estou cansada, mas o trabalho foi bom. Obrigada.
Terminamos de guardar as coisas em um segundo.
- Vou tomar um banho, você faz o café?
- Eu já fiz.
- Ótimo. - ela pegou sua bolsa marrom e foi subindo as escadas.

Antes de dormir, eu olhei para a janela do lado da minha cama e vi como o céu estava limpo de nuvens aquela noite.
Não chovera o dia inteiro.
Mas o dia permanecia frio e emburrado.
Lembrei da toquinha dela.
Será que eu a veria amanhã?

U m a   P r i m a ve r a   Q u a l q u e r Onde histórias criam vida. Descubra agora