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Eu cheguei em casa. Eu tranquei a porta e escorreguei pela mesma, até sentar no piso branco do chão.
Eu devo ter ficado encarando aqueles números na minha mão trêmula por uns bons minutos, enquanto tentava normalizar todas as minhas frequências.
Eu estava ofegante.
É obvio que eu correra.
Sempre que eu via ela, era como se ela me carregasse, como combustível.
Ela me deu o telefone dela.
Eu definitivamente estava feliz, enquanto encarava aquele vermelho, pensando se seria cedo demais ou não para a ligar.
Resolvi que só ligaria ás onze horas. Então eu fui tomar um banho; ainda eram dez e meia.
Mas aí eu fiquei pensando se ela não estaria dormindo àquela hora; eu não queria de fato a perturbar.
Imaginei se ela estaria de fato dormindo. E fui além. Será que ela gostava de dormir de janela aberta? Com um pijama fresquinho? Ou será que ela era mais friolenta e preferia dormir de cabelo preso?
Foi impossível não ver o cabelo rosa dela esparramado por um travesseiro de mesma cor, na minha cabeça.
Saí do banho. Dez e trinta e quatro.
Eu nunca tomara um banho tão rápido em toda a minha vida.
A Sabesp agradecia.
Mas era até engraçado como o tempo se recusava a passar quando se estava ansioso por alguma coisa que você quer muito.
Talvez ela já estivesse dormindo.
E se ela acordasse? Será que ela ficaria zangada por eu a acordar, ou será que ela nem me atenderia?
Dez e trinta e cinco.
Ótimo, um minuto a mais para as onze horas.
Eu ligaria as dez e quarenta. E daria só um toque. Se ela estivesse dormindo, o som creptante do seu telefone, soaria apenas como um barulhinho irritante.
Fingi que isso era para não a acordar, mas na realidade, aquilo era uma desculpa muito fajuta para antecipar a ligação. Porque só de pensar na possibilidade de ouvir a voz de Lisa, eu já tremia inteiro de empolgação.
Dez e trinta e sete.
Ah, eu simplesmente não conseguia.
Peguei meu celular e disquei os algarismos, confirmando umas três vezes se eram de fato aqueles números; eu não queria discar errado.
Então eu levei o aparelho até a orelha, e meu órgão dentro da caixa torácica passou a bombear sangue mais rápido para os meus circuitos, só de pensar na hipótese de ela me atender.
- Alô? - foi tão bonito.
- Oi, Lisa. Aqui é o Victor...
- Victor! - a voz dela instintivamente se animou. - Você ligou!
- Eu te acordei? - perguntei, mas a voz dela estava me provando que não.
- Não. - uma risadinha. - Eu estava esperando você ligar.
Explosões percorreram a minha pele de saber que ela estava esperando por aquilo.
- Você estava mesmo esperando?
- U-hum.
- Então... As pipocas estavam boas?
- Sim. Estavam muito gostosas.
Eu só não sabia o que dizer. O que dizer para alguém tão interessante, quando não há nada tão interessante sobre você?
Eu estava louco para a ligar, mas tinha me esquecido de pensar, sobre o que dizer.
- Você tem irmãos? - graças a Deus ela se adiantou.
- Não. - me senti tremular com a pergunta dela. - E você?
- Também não. Mas eu gostaria. - ela pareceu neutra. - É chato fazer o trabalho de casa sozinha.
- Você acha chato? Eu não acho chato...
- Sério?
- Olha, se você quiser... Eu posso, eu posso... Eu... - pensei sobre o que estava prestes a dizer e percebi o quão bobo era. - Deixa pra lá.
- Não, Victor. Diga o que ia dizer.
- Mas é uma coisa boba!
- Nada do que você diz é bobo. - eu abri a boca, enquanto olhava para o teto. - Eu gosto das coisas que você diz.
- Eu estava pensando... Que qualquer dia - respirei fundo e decidi soltar tudo de uma vez. - Eu poderia ajudar você com o serviço de casa.
- Está falando sério? - eu apostei que a boquinha dela estava aberta e mostrando seus dentinhos fofos.
- Sim. Se você não quiser tudo bem...
- Não, eu quero. Eu quero muito. - ela se adiantou. - Eu só preciso falar com a minha mãe.
- Tudo bem.
Houve mais uma pausa e eu ouvi a respiração rápida dela e uma voz ao fundo. Parecia a de uma mulher:
- Tá bom, Mãe. - ouvi  voz dela para a mulher. - Olha, eu vou ter que falar mais baixinho, porque a minha mãe me mandou dormir, mas eu quero  continuar falando com você.
- Mas amanhã você não vai ficar cansada?
- Está tudo bem.
- Então... Você gosta de árvores? - perguntei aquilo, porque vi um desenho que eu tinha feito há uns anos atrás.
- Sim, eu gosto e você?

Nós estávamos conversando por quase duas horas e ela não parava de falar coisinhas sobre ela e como ela gostava de analisar as nuvens.
Eu estava deitado na cama, numa má posição, com os olhos pesando de tanto sono, mas eu não desligaria, até que ela quisesse. Ela era interessante e no momento ela estava me contando o que achava sobre bolhas de sabão.
Eu estava rindo.
Eu rira mais vezes naquela ligação do que em alguns anos.
E eu estava feliz em ouvir a vozinha dela de sono, como se ela estivesse fazendo um grande esforço para falar.
A voz dela saia macia pelo telefone e fazia cócegas em mim, assim como as que ela fizera, quando escrevera na minha mão.
- Victor?
- Oi?
- Eu to com um pouco de sono, mas eu continuo aqui se você quiser continuar falando comigo.
Ela não estava com um pouco de sono; ela estava praticamente dormindo. Mas eu queria continuar falando com ela; eu continuaria falando com ela a minha vida inteira, porque a voz dela parecia uma nuvenzinha branca e fofinha. Mas eu sabia que era maldade, ela estava com sono:
- Eu também quero continuar falando com você, mas você precisa dormir Algodão Doce. - eu quase senti um sorrisinho, e eu não sei como consegui falar aquilo pra ela, talvez o sono tivesse me ajudando. - Então eu ligo pra você amanhã.
- Você promete?
- Prometo.
- Então tá. Boa noite, Victor.
- Boa noite, Lisa.

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