70 - D u m b

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U m a  S e m a n a  D e p o i s

- Você veio me pedir desculpas? - ela me perguntou com os braços cruzados em cima do da blusa preta de margaridas.
- Não.
- Então o que você quer? - foi por aquele tom que eu percebi que ela estava realmente brava.
- Lisa, eu não acho que eu possa dizer que amo você em apenas dois meses. - esclareci diretamente. - Eu não me sinto pronto.
- Então você acha que eu estou mentindo? Acha que não amo você? - ela contorceu suas feições.
- Não, não estou dizendo isso; é só que... - eu esfreguei meus olhos pelo quão complicado estava sendo tudo aquilo. - Eu tenho medo de dizer isso para você e não ser de verdade.
- Como você pode ser tão tolo de não saber o que você sente?
Aquela palavra. Aquela pequena palavrinha de duas consoantes e duas vogais ladeou os cantos da minha cabeça. Era justamente daquela palavra que eu tive medo dela me chamar em algum momento, provando que meus contextos e minhas inseguranças eram banais, desimportantes.
- Eu... - abaixei a cabeça, mas a ergui. - Eu não quero magoar você, Lisa. Eu só quero falar, quando eu sentir de verdade.
Ela desprezou minhas palavras num gesto pobre de boca e talvez aquele fosse o meu primeiro sinal de que nós não entrariamos num acordo.
- Talvez eu não devesse estar namorando com você.
Aquilo foi cruel. E aquilo doeu.
Me perguntei se aquela coisa pútrida no meu peito, seria uma projeção do meu cérebro para uma dor quase anestésica.
Eu não acreditei que ela disse aquilo.
O meu olhar quebrou sobre o dela.
- Você é tão bobinho, Victor. Tão ingenuo. - ela soltou, sem piedade. - Você sempre está preocupado com alguma besteira e é como se tudo no universo pudesse machucar você. - ela encarou seus próprios pés. - Caramba, você é mais sensível que uma garota!
- Para, Lisa.
Ela estava me deixando triste e me fazendo sentir extremamente bobo.
  - E você nem sabe como ser um namorado direito! Meu Deus, você não sabe nem comprar um presente de natal! Não sabe como chupar um pescoço! - ela jogou na minha cara.
Eu realmente odiava quando alguém pegava um fato já ocorrido e ficava o trazendo à tona daquele jeito.
Eu não tinha culpa de não ser o melhor namorado do mundo; eu tentava ser o melhor que eu podia; eu não tinha culpa de não ser tão experiente quanto ela.
Isso gritava na minha mente, tentando se colocar para fora. E eu quis dizer tudo aquilo; eu quis tanto, mas eu não consegui. Eu só continuei olhando nos seus olhos e vendo o quanto aquilo tudo me machucava.
- Achei que as coisas eram mais importantes do que um presente de natal para você. - eu disse num fio de sussurro. - Sabe por que eu não te comprei um presente de natal? - eu ergui a cabeça lentamente para ela.
- Por que, Victor? - ela perguntou num tom que denunciava um cansaço infermo.
- Porque dia 31 de dezembro é o que era para ser o aniversário do meu pai e nós fomos comprar uma lanterna para zelar nossa tradição. - o rosto dela escoou. - Foi por isso, Lisa, que não te comprei um maldito presente de natal. - uma lágrima desceu fincada pelo meu olho e eu me odiei um pouco mais por deixar ela sair. - Então eu sinto muito pelo seu presente de natal.
Minhas pernas começaram a caminhar independente da minha ciência e eu mal protestei.
- Victor, espera....
Eu continuei andando, enquanto um emaranhado de emoções doiam no meu peito.
Aquilo era amor?
O amor fazia doer daquele jeito?
O amor era tão incompreensível?
Se aquilo era o tal sujeito, eu nunca queria amar alguém.
- Victor, eu não sabia. Eu... - ela segurou meu braço e eu apenas olhei nos seus lindos olhos castanhos. - Me desculpa, eu só não sabia; eu... - ela só estava falando qualquer coisa de modo desesperado e eu parei de ouvir.
Me desliguei.
Mais uma vez.
Eu cerquei seu rosto com a minha mão magra e cheia de veias e a encarei pelo que seria a última vez no que seriam alguns dias:
- Boa noite, Lisa.

U m a   P r i m a ve r a   Q u a l q u e r Onde histórias criam vida. Descubra agora