64 - C h r i s t m a s

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Era véspera de natal e eu estava deitado na minha cama, encarando o teto, sem nada aparente para pensar.
Eu estava sozinho em casa e aquilo estava tão desanimado que eu estava quase dormindo.
Eu me sentia crítico olhando para aquele teto que deveria ser pintado. Talvez depois do ano novo.
Lisa tivera que vigiar de última hora, porque uma tia sua, que morava em Araçariguama, estava passando mal.
Mamãe estava no trabalho e cobriria a noite, para que pudesse folgar no ano novo e nós pudéssemos seguir nossa tradição.
Uma tradição consideravelmente triste.
Dia trinta e um de dezembro deveria ser mais um dos aniversários do papai, mas na realidade era só mais um dia triste em que nós nos olhavamos e sorríamos.
Antes do ano virar, eu e mamãe íamos ao cemitério e deixávamos uma lanterna nova. Era como um presente de aniversário; papai era um colecionador delas.
Nós tínhamos um quarto cheio delas. E agora elas ficavam todas empoeiradas. Só eu e mamãe sabíamos disso, só nós entendiamos e só nós nos sentíamos confortáveis para conversar sobre isso.
E eu sabia, assim como ela, que nós deveriamos nos desprender daquilo. Nos desapegar das lanternas e daquela tradição, mas nós não éramos capazes; nós não conseguiamos.
Eu percebi que estava sem piscar há muito tempo, quando meu olho começou a arder e então quando eu pisquei, lágrimas fluíram pelas laterais do meu rosto.
Ouvi batidas na porta, como uma leve intervenção de Deus.
Limpei as lágrimas com sutileza e me levantei para ir atender a porta:
- Sebastian?
Ver o Sebastian postado na minha porta com uma camisa social branca completamente amassada, foi a coisa mais feliz daquele dia, por isso eu sorri.
- Vamos. - foi a única palavra dele, antes de eu trancar a casa e cairmos andando.

- Como sabia que eu estava só? - eu perguntava, enquanto ele se jogava no sofá de mal jeito.
- Sua mãe me ligou.
- Ah sim.
Sebastian morava sozinho.
Sua casa era exatamente como ele; restrita e um um puco escura, mas não deixava de ser bonita.
- Eu gosto do natal. - ele dizia tomando o refrigerante que acabara de pegar na geladeira.
- Eu gosto mais do ano novo. - considerei.
- Lembro de uma vez que nós estávamos brigados. - ele deu um sorriso limpo. - Nós dirigimos até o centro de São Paulo, mesmo brigados.
"Nós fizemos as pazes."
Eu não soube o que dizer, como sempre.
- Eu comprei um galeto. - de repente seu humor mudou, como numa música sinfônica, que mudava de acordes a todo momento. - Pensei que um peru seria muito grande. - E eu também fiz um arroz e um puré de batata. - ele deu de ombros.
- Você fez tudo isso... Para mim?
Ele não me respondeu, apenas me deu as costas e foi para a cozinha.
Eram onze e alguma coisa.
Eu fui atrás dele, para fazer meu prato.
E enquanto eu observava toda aquela comida em cima da pequena mesa de madeira de quatro cadeiras, eu me senti no dia de ação de graças nos Estados Unidos.
Aquilo era o melhor que eu poderia pedir para um natal como aquele; eu realmente me senti grato por ter alguém como Sebastian na minha vida.
Ele era o total oposto de mim; mesmo que não achasse, mesmo que apresentassemos alguns pequenos picos de semelhança.
Ele sempre sabia o que falar para ajudar a melhorar as coisas. E ele sempre me fazia sentir melhor.
Era como se ele não tivesse só dezoito; Sebastian parecia já ter vivido uma vida inteira e ele parecia saber reagir a cada espécie de situação.
- Sebastian?
- Hum?
- Você acha... Acha que... - suspirei quase em desistência por ser um fracasso frequente com palavras. - Acha que sou um bom amigo?
Ele rasgou a folha de guardanapo, a pousou no colo e então se sentou.
- Primeiro: por que a pergunta?
- Eu não sei. Eu... Eu me sinto muito inseguro, sabe?
- Inseguro sobre o quê? - ele cortava o seu pedaço de galeto de olhos em mim.
- Sobre o mundo, eu acho. - e tudo era retrátil na minha voz. - Eu realmente tenho medo de não estar sendo um bom amigo para você, ou não ser bom para a Lisa.
"Eu ainda tenho medo dos meus ataques de pânico, porque eles sempre fazem a mamãe chorar e eu realmente não sei como lidar com isso".
Sebastian considerava o que eu estava falando, enquanto mastigava:
- Essa coisa toda da insegurança, só acontece porque você não tem muita experiência ainda, Victor. Sou seu primeiro amigo; a Lisa, sua primeira namorada. Não espere ter cem por cento de confiança em todas as coisas.
"Está tudo bem em ter medo de algumas coisas se você é inexperiente com elas; com o tempo você aprende a as superar".
Eu apenas assenti e continuei mastigando.
- E sobre seus ataques de pânico - eu já tinha dado o assunto por encerrado, quando ele voltou. - Está tudo bem, Victor. Não é sua culpa ter esses distúrbios e também não é exatamente você que faz sua mãe chorar; vocês dois tem que se acostumar com isso.
Eu assenti de novo, e voltei meu olhar para minha comida. Estava deliciosa. Depois da comida da minha mãe, a de Sebastian era inexplicavelmente suculenta.
- Obrigado.
Sebastian elevou um pouco os olhos além da minha direção e então ele se levantou:
- Feliz natal, Victor.
Eu me levantei também e observei que o que ele olhava era o relógio. Meia noite.
Sebastian me abraçou, num cumprimento fraterno:
- Você é um ótimo amigo e sinceramente eu sou grato por você ter entrado na minha vida. - ele disse e tudo o que eu consegui fazer foi o abraçar mais forte:
- Feliz natal, amigo.

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