69 - O n l y A F r i e n d

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Eu estava fungando na cama; completamente encolhido, enquanto minha mãe acarinhava meu cabelo claro, espetado, e me dizia que tudo ficaria bem uma hora.
Mas era estranho para mim pensar isso, logo após tomar meus remédios de pânico, porque aquilo significava que nada estava sobre controle, e sem controle era bem difícil das coisas estarem bem.
Eu estava triste e com medo.
Com medo de ter um ataque de pânico.
Com medo de perder Lisa.
Com medo de não conseguir a amar.
Eu sinceramente estava me perguntando se o problema não era eu.
Ela era tão perfeita e tão sorridente com toda aquela massa de cabelos rosa; como era possível que alguém não a amasse? E eu não sabia se a amava.
Talvez eu fosse um tolo mesmo.
Talvez eu não merecesse ela.
Talvez ela fosse boa demais para mim.
Talvez eu não servisse para ela.
Talvez... Só talvez, eu devesse a livrar de mim.
Talvez eu não a estivesse fazendo tão bem assim quanto todo mundo estava vendo.
Eu queria que ela fosse amada, mesmo que eu não conseguisse a amar.
Eu voltei a aumentar a frequência do choro:
- Mãe? - eu levantei a cabeça com os olhos ensopados. - Você acha que a culpa é minha? Por não saber se a amo?
- Filho, vocês estão com pouco menos de dois meses; não da pra saber se você ama uma pessoa nesse tempo. Não é sua culpa. - eu percebi, que aquilo fora exatamente o que Sebastian dissera, num dia e jeito diferentes.
Eu sentia muito.
Por não conseguir nem saber se eu amava Lisa.
- Sabe o que eu acho? - mamãe parecia adaptar uma idéia. - Que deveria passar a noite na casa de Sebastian.
Eu estranhei.
- Na casa de Sebastian? - eu franzi a testa. - Tem certeza, mas e se eu tiver...
- Você não vai ter, Victor. - ela me poupou de falar. - E é justamente por isso, que eu quero que você vá pra lá. Quero que se distraia.
Eu apenas assenti, sem muita vontade.

Eu bati no portão de madeira dele umas três vezes e nada se alterou na cena.
Nenhuma luz acendeu, nenhuma resposta, então eu só dei meia volta.
- Acho que não tem ninguém...
Mas um barulho de chave na fechadura e o portão se abriu:
- Victor? Senhora Winters.
- Olá, Sebastian. Boa tarde. - mamãe o deu um sorriso agradável.
- Boa tarde. Tá tudo bem? - ele disse, e mesmo de cabeça baixa eu podia jurar que ele tinha um olhar recaído sobre mim.
- Eu achei que seria interessante para o Victor passar a noite aqui, com você. - ela tocou meu ombro, num casaco azul desbotado, que antigamente era do papai. - Algumas coisas aconteceram e...
- Foi a Lisa de novo, não foi, Victor? - a pergunta foi direta para mim, mas eu deixei um silêncio correr por ali, até eu conseguir erguer a cabeça para o encarar.
Soltei minha bolsa de pano no chão e sai correndo para o abraçar; ele me abraçou de volta e me segurou forte.
- Pode deixar, senhora Winters. - ele acariciou minhas costas, como um irmão mais velho que presta consolo ao mais novo; eu me senti algo pequeno, mas significante no mundo. - Eu levo ele pra casa pela manhã.
- Tudo bem. - eu só ouvi ela dizer, pois meus olhos estavam fechados e eu os apertava para frear as lágrimas, mas eu estava falhado. - Os remédios dele estão aí dentro. Se precisar.
Eu senti o movimento de cabeça de Sebastian e então eu desgrudei os braços dele e vi minha mãe acenar do carro, indo embora.
Eu sabia que aquela era uma decisão difícil para ela, mas por algum motivo inimaginável, ela sabia que podia contar com Sebastian e eu também sabia disso.
Acontecia que eu me sentia extremamente pequeno quando essas coisas aconteciam; como uma criança de colo, e toda vez que Sebastian me abraçava, eu desejava que lá no fundo o nosso DNA fosse igual e ele fosse meu irmão.
Ele me olhou de um jeito meio quebrado:
- O que aconteceu entre vocês? - então a pergunta finamente veio.
- Ela pediu para eu dizer... E eu não consegui. - me abracei.
Eu não sabia se o frio vinha de dentro ou de fora; eu só sabia que Sebastian pousou uma manta nos meus ombros, de qualquer forma. Como uma prevenção.
- Você não pode sabe o que é amor em dois meses. - ele fez com os dedos. - Ainda mais se nunca teve uma experiência parecida antes.
Eu fiquei quieto e funguei.
- Ela não pode te cobrar isso.
- As vezes acho que é minha culpa. - resumi.
- Victor, você não tem que ser como ela...
- Ela perguntou o que havia de errado comigo, por não conseguir dizer aquilo para uma garota. - meu olho começou a borrar. - Então, O QUE HÁ DE ERRADO COMIGO, SEBASTIAN?
- Exatamente nada. Você só não é uma copia fiel dela.
- Ela ia me dizer mais alguma coisa, mas desistiu... - as informações só colidiam umas com as outras, sem nem querer fazer sentido na minha cabeça.
- Acho que ela não precisava te dizer isso.
- Por quê? Eu sou frágil? Por causa dos meus ataques de pânico? Por causa...
- Victor, para. - ele segurou meu rosto com as mãos de forma firme e compacta. - Eu estou tentando te ajudar, não alimente essa neurose. - ele disse calmamente olhando nos meus olhos e eu me acalmei instantaneamente.
Eu só queria uma resposta. A resposta do que era amor.
Eu queria encontrar uma definição num livro, na internet, mas a única definição que eu podia encontrar, era em mim mesmo e aquilo me dava medo, porque... E se eu nunca encontrasse?
- E se eu nunca descobrir o que é o amor, Sebastian?
Ele me encarou naquela calma seleta de sempre:
- Não há como não descobrir. - ele deu de ombros. - É como um vírus; você acaba sendo infectado.
Ele colocou um palito de dentes na boca:
- A diferença é que só há um alguém que está na mesma compatibilidade que você, pode te passar esse vírus.
Eu fiquei quieto, pensando no quanto a analogia segura dele me dava medo:
- Mas não é uma coisa assim forçada; onde você tem que dizer coisas por obrigadação. - ele negou com o palito na mão. - Só flui e você se sente pronto naturalmente.
Então eu criei uma pequena esperança de um dia descobrir o que era aquilo e achar a minha própria definição para aquilo.

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