- Ela me deu o telefone dela. E a gente conversou por umas duas horas. - eu contava os fatos animadamente para a mamãe, que me encarava com olhos embaçados da fumaça de café.
- Sobre o que vocês conversaram?
- Sobre árvores. Bolhas de sabão. E nuvens. - mamãe soltou uma gargalhada deliciosa.
- Você realmente gosta dela. - pensei em responder, mas aí, eu notei que aquilo na verdade, era uma constatação.
Pensei no peso que aquilo tinha em conflito com as minhas costas. Na verdade tinha um peso de algodão. Assim como ela.
- E como foi a noite com o Renê? - era melhor parar de pensa um pouco sobre isso.
Ultimamente a única coisa que eu conseguia pensar era em Lisa Sandle. E eu sentia que aquilo se tornaria cada vez mais um constante.
- Nós jantamos. Ele resolveu cozinhar. - havia um quê de riso.
- E ele cozinha bem?
Ela soltou uma gargalhada escandalosa.
- Definitivamente não. Ele queimou o arroz e eu tive que refazer.
Eu dei um mínimo sorriso e pensei sobre aquilo. Na verdade, eu considerei muitas coisas sobre aquele fato específico que parecia tão cotidiano.
Cozinhar com alguém quem você gosta.
Queimar o arroz e ainda sorrir por isso, sem ficar brava pelo preço das gramas do grão, jogadas fora.
Era bonito. Era um gesto bonito.
Eu queria fazer aquilo com Lisa. Queria deixar ela cozinhar, mesmo que ela queimasse o arroz. Eu não ficaria bravo; eu nunca ficaria bravo com ela, porque... Ela tinha cabelo de algodão doce. E ela tinha aquele sorriso bonitinho também.
Eu queria repetir todos os fatos cotidianos e simultaneamente clichês. E eu faria isso todos os dias. Desde que fosse com ela.
Eu me assustei um pouquinho com aquele pensamento tão avançado; eu a conhecia há o quê? Quase duas semanas e estava pensando tanto nela que minha cabeça chegava a doer.
Eu levei a mão a cabeça e fiz uma careta:
- Tudo bem, querido?
- Aham. - eu disse e subi para o quarto.
Eu ia ligar para ela. Mas ainda eram nove e quarenta e dois. Não era meio cedo?
Eu não seria muito desesperado de a ligar assim tão cedo depois da gente se falar na noite passada por duas horas? Eu não queria soar desesperado, mas eu não conseguiria esperar para ligar à tarde.
Peguei meu celular e disquei o número dela de novo.
Ela não atendeu no primeiro toque.
Mas meu coração acelerou mesmo assim.
Chamou uma, duas, três...
Liguei umas três vezes e desisti.
Ela não me atendeu.
Fiquei pensando que ela podia estar dormindo. Ou estar ocupada. Ou só que ela não quisesse falar comigo; talvez eu tivesse feito algo errado.
A última opção soava de modo pejorativo na minha cabeça.
Pensei se eu ter chamado três vezes denunciava muito o fato de eu querer falar com ela.
Sinceramente, eu estava me sentindo um pouquinho decepcionado, mesmo sabendo que ela podia simplesmente estar fazendo suas tarefas; de alguma forma isso não queria entrar na minha cabeça.Deviam ser umas sete e meia da noite.
Eu estava lendo o livro de literatura, o qual eu devidamente deveria me concentrar para fazer uma resenha sobre, mas eu não conseguia.
As memorias póstumas de Brás cubas, era um livro um tanto complexo e eu mal o achava interessante para pegar afinco pela leitura.
Meu celular tocou. Duas vezes.
Eu vooei pelas escadas para o pegar em cima da mesa.
- Alô?
Eu mal lera o visor.
- Victor? É você?
- Sim. - era ela.
- Eu queria me desculpar com você. - a voz dela não trazia a animação de sempre. - Por não ter atendido suas ligações.
"Não é como se eu não quisesse atender, mas a minha mãe passou um pouco mal, e tive que ir com ela e com o meu pai para o hospital."
- Tudo bem, Lisa.
- Você não ficou chateado, não é? - o tom dela sugeria uma discordância minha.
Me senti a criança mais infantil do mundo naquele momento, e me senti culpado também, por ter ficado chateado com ela. Era óbvio que ela tinha um motivo nobre.
- Não. Tudo bem. - eu repeti. - E como sua mãe está?
- Está melhor. Está deitada no sofá. - ela relatou. - Ela tem labirintite, sabe? E as vezes ataca.
- Ah, entendi.
- Então... - ela instigou. - Amanhã você vai pra escola?
- Eu vou sim e você?
- U-hum. - e o silêncio estático reinou. - Bom, eu vou desligar, tudo bem?
- Lisa, espera. - pela primeira vez tive um impulso cerebral que guiou as cordas. - Será que eu posso passar na sua casa um pouco antes amanhã e te acompanhar pelo caminho até a escola?
- Você quer mesmo me acompanhar?
- Quero.
- Passe aqui seis e meia. - a voz dela voltou a ter gosto de morango. - Até amanha, Victor.
- Até amanha, Lisa.
VOCÊ ESTÁ LENDO
U m a P r i m a ve r a Q u a l q u e r
Romance"Eu só queria uma resposta. A resposta do que é o amor. Eu queria encontrar uma definição num livro, na internet, mas a única definiçao que eu podia encontrar, era em mim mesmo e aquilo me dava medo, porque... E se eu nunca encontrasse?" - Victor...